quinta-feira, 2 de abril de 2009

0938) O sósia violinista (19.3.2006)




Vejo às vezes aqueles concertos de música erudita na TV Cultura. Conheço muito pouco de música erudita. Não sei distinguir autores nem estilos: se você botar uma música eu nunca vou saber se aquilo é Mozart ou Brahms, Beethoven ou Schubert. 

Mas, como qualquer sujeito criado em nossa cultura, entendo o que é a música sinfônica. É uma das muitas coisas que me seduzem pela sua beleza crua, sem análise da técnica ou subtextos de estilo ou época.

Gosto de ver na TV. No disco, aquela música parece estar brotando de algum lugar celeste, ao norte da Esfera dos Serafins e a sudoeste do Jardim do Éden. Parece que aquilo tudo sempre existiu, sem que ninguém precisasse compor ou tocar. 

Quando vejo na TV é que me dou conta da complexidade do processo, da energia exigida para que aqueles sons existam e se ergam todos ao mesmo tempo, se entrelacem, se correspondam, se afastem e reaproximem, numa tapeçaria de vibrações sonoras. 

É o pianista que numa breve pausa joga para o ar o cabelo e uma chuva de gotas de suor; são os violinistas no “acelerando”, de olho encatitado para não perder uma nota sequer; são os velhinhos dos metais que ficam na boca-de-espera para, no segundo exato, desfechar uma frase complicadíssima e depois ficar novamente em guarda... Creiam-me, amigos, é ainda mais difícil do que maracatu.

Muito tempo atrás, liguei a TV para me distrair. Estava deprimido por causa de um livro recém-publicado que passou em branco. Pensava eu: 

“Agora danou-se mesmo. Tenho a maior dificuldade para escrever um livro. Quando finalmente escrevo, ninguém publica. Quando publica, ninguém compra. Quando alguém compra, não lê. Quando lê, não entende. Quando entende, não gosta. Quando gosta, me manda um email perguntando por que é que um escritor tão genial como eu não faz mais sucesso do que Paulo Coelho”.

Voltei a olhar a orquestra, e tive um susto. Tinha um violinista que era a minha cara. Rosto, cabelo, tudo igualzinho. Fiquei com a sensação esquisita de estar contemplando um universo paralelo onde alguém me teria botado numa Escola de Música desde pequeno, e pronto, ali estava eu. Tocando um concerto de Bela Bartok! Maravilha. 

Fiquei olhando o sujeito tocar e isso me deu uma certa paz. Afinal, em que é que eu era melhor do que ele? O cara estudou pra caramba, sabe fazer um monte de coisas dificílimas, ganha a vida honestamente, e mesmo assim ninguém sabe da existência dele. 

A imensa maioria dos artistas, e artistas de talento, é assim. Só quem sabe que eles existem é a família e os amigos. Mesmo quando estão trabalhando, trabalham no meio de uma equipe enorme, e ninguém os enxerga. É o iluminador do teatro, o câmera do cinema, o backing-vocal de banda... Milhões de pessoas no mundo inteiro, fazendo arte de primeira qualidade, e ninguém sabe que eles existem. Fama coisa nenhuma. Eu não deixaria de ser violinista em minha orquestra só pra ser “aquele cara famoso porque atirou no Papa”.






Um comentário:

Joe_Brazuca disse...

...é bem mais difícil que maracatu !...rsrs ( se bem que um maracatu maroto num é fácil de tocar tb, viu ?...rs)

Mas, em suma é isso mesmo...

E tem outra : pior é quando "adoram" o que vc compõe ( no meuscaso específico, claro...sou um desses dom quixotes das liras...rs), o que vc cria, como toca.."eximio virtuose", coisa e tal...

Dái , na hora da troca ( sim !...nós músicos além do reconhecimento, precisamos que haja troca..."tipo", toma lá, dá cá, manja ?...rs), na hora do "bem-bom-pro-nosso-lado", necas...
Dái, aparecem "n" talentos "iguais" a voce...é o primo do irmão da mãe da sogra da empregada que tem "um tecladinho porreta", que faz música sozinho até !...
E dá-lhe baixar custos...E dá-lhe amadorismo subindo no trono...rs

Fogo, viu !...deste mal, sobrevivemos todos...e haja partitura desafinada !...rs

excelente, Braulio !

abs

Joe