terça-feira, 31 de março de 2009

0934) Brokeback Mountain (15.3.2006)



Fui ver o filme de Ang Lee procurando não cultivar uma expectativa muito grande; vi-o no domingo do Oscar, quando ele ainda era considerado favorito para o prêmio de melhor filme. Eu já ouvira elogios ao filme, bem como as inevitáveis piadas machistas, gente se referindo ao filme dos “cowbóiolas”, gente dizendo que a tradução de “brokeback” é “lascado atrás”, e assim por diante. Não creio que essas piadas surjam por causa de um preconceito específico. Toda obra que faz muito sucesso atrai irreverências como o mel atrai as moscas. Basta lembrar o vasto folclore de piadas em torno de Titanic, O Senhor dos Anéis, Gladiador, etc.

Um sussurro de tensão, acompanhado por risos nervosos, percorre a sala na hora em que os cowboys se beijam. Não muito diferente, por certo, do sussurro que acompanhou o beijo de Peter Finch em Murray Head em Domingo Maldito (1971), cortado na versão brasileira, ou o de Michael Caine em Christopher Reeve em Armadilha Mortal (1982). Muita gente saúda Brokeback Mountain como o fim de um preconceito, mas, devagar com o andor, camaradinhas. Hollywood e suas platéias já foram mais conservadoras e também mais liberais do que hoje em dia. Não sei se cabe falar em evolução. Talvez tanto o preconceito quanto o liberalismo sejam apenas marés que avançam ou recuam de acordo com fatores mais complexos do que o simplismo do “está melhorando” ou “está piorando”.

Para o escândalo que causou, o filme é de uma castidade exemplar (eu diria quase “eclesiástica”, mas não sei se cairia bem). Há uma cena inicial de sexo que é brusca, angustiada, frenética. Brota quase inesperadamente no meio da narrativa, mas a urgência de que os personagens estão possuídos sugere quilômetros de subtexto nas cenas anteriores. Depois disto, há uma cena de beijos (entrevistos à distância pela esposa de um deles), e o resto que aparece na tela é tão inocente quanto o que ocorre em qualquer acampamento de rapazes. Ou seja: não há exploração, erotismo, sensacionalismo. O que continua a ocorrer entre eles durante os vinte anos após aquela cena inicial não é mostrado. Mostra-se apenas o impasse, o beco-sem-saída emocional e moral dos dois homens, ambos casados e pais-de-família, mas encalhados numa situação afetiva que não anda nem desanda (e que em hipótese alguma pode despertar suspeitas, embora muita gente acabe desconfiando).

O filme de Ang Lee me lembra seu Razão e Sensibilidade, bem como A Idade da Inocência de Martin Scorsese: histórias de pessoas asfixiadas num código de comportamento que as proíbe de ser o que são. O crítico Roger Ebert observa que alguém pode chorar em Brokeback Mountain não por ser gay, mas por ter sido impedido de tornar-se o que sonhava em ser: marinheiro, artista, marceneiro... É a tragédia absurda de alguém que deseja muito alguma coisa, mas todos lhe dizem: “Isso não pode”. E quando ele ousa perguntar por quê, a voz responde: “Porque não pode, e acabou-se”.

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