terça-feira, 31 de março de 2009

0931) Ariano Suassuna e Caetano Veloso (11.3.2006)




No Carnaval de Recife, vi, no show de Antonio Nóbrega, uma cena que me deixou matutando. Na lateral do enorme palco, sentados lado a lado em cadeiras fornecidas pela produção, assistiam o show Ariano Suassuna e Caetano Veloso. Ariano, um dos homenageados oficiais do carnaval (juntamente com o grande Claudionor Germano); Caetano, visitando o carnaval de Pernambuco pelo segundo ano consecutivo.

No final, Nóbrega chamou Ariano ao palco para cantarem juntos “Madeira do Rosarinho”; depois, chamou Caetano. Juntos, os três cantaram o grande frevo-de-bloco “Evocação no. 1”, aquele que todo nordestino sabe de cor: “Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon, cadê teus blocos famosos?...” 

E uma multidão incalculável (eu pelo menos não consegui calcular), que se espalhava pelo largo do Marco Zero e pelas ruas que convergem para lá, aplaudiu a presença conjunta do criador do Movimento Armorial e do criador do Tropicalismo.

Isto significa que algum dos dois, ou ambos, estariam abrindo mão de suas idéias, de suas posições? Duvido. O Brasil inteiro sabe o que pensam os dois. Seus seguidores muitas vezes se engalfinham metaforicamente, e têm uma tendência a ver o lado oposto de forma redutora, caricatural e empobrecida. 

Eu, que me vejo equidistante aos dois, tenho consciência do quanto eles estão afastados, e do quanto se parecem. Ariano e Caetano são dois brasileiros raros: têm uma fé ilimitada no Brasil, na sua força, na sua possibilidade de um destino glorioso. O “Brasil” de cada um reflete, é claro, a origem de cada um. 

Ariano pertence à estirpe ascética e rija dos sertanejos, Caetano pertence à cultura hedonista e malemolente dos mulatos litorâneos. Ariano é um defensor da Tradição, do eixo vertical de uma acumulação cultural de séculos; Caetano é um buscador insaciável da Novidade, do florescer contemporâneo de mil novas formas de sentir e de pensar. 

Os interesses dos dois são tão afastados que ambos se tornam indispensáveis. Sem um dos dois, o Brasil seria caolho.

O que os une é essa paixão pelo Brasil e essa fé no Brasil (paixão e fé que invejo, porque as sei superiores às que sinto). Vendo-os a cantar juntos, vejo-os unidos também pela lembrança de Felinto, de Pedro Salgado, dos velhos blocos de rua, do carnaval como fonte permanente e inesgotável da alegria e da criatividade do povo, e das belas canções que celebram nossa gente e nossa cultura. 

Não porque estas sejam ou pretendam ser superiores à gente ou à cultura de outras regiões; mas porque são nossas, e um povo que não gosta de si próprio e não vê valor em si próprio não pode esperar respeito da parte de seu-ninguém.

Caetano está com 63 anos, Ariano com 78; suas carreiras têm sido divergentes, mas o espírito que as anima é o mesmo. Quando daqui a 100 ou 200 anos os compositores fizerem novas “evocações”, seus nomes aparecerão lado a lado, como os de Felinto, Pedro Salgado, Guilherme ou Fenelon. O futuro lhes agradece.






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