sábado, 21 de março de 2009

0898) Ainda o artista japonês (1.2.2006)


(Instalação de Yuri Firmeza)

Autor da “pegadinha” em que propôs ao Museu de Arte Contemporânea de Fortaleza uma exposição de um artista japonês fictício, o artista cearense Yuri Firmeza foi até leal com a imprensa, porque o nome do artista (Souzousareta Geijutsuka ) pode ser traduzido por “artista inventado”, e o nome de sua exposição, “Geijitsu Kakuu”, por “arte e ficção”. Seu artifício mostra o terreno escorregadio onde artistas e críticos caminham hoje em dia. É aquela história: no começo é fácil mentir, porque todo mundo acredita em tudo; daqui a pouco será impossível dizer a verdade, porque ninguém acredita mais em nada. Se o propósito era mostrar a credulidade da imprensa, deu certo, mas talvez às custas da credibilidade do próprio artista.

Não me refiro apenas ao Firmeza e à imprensa do Ceará. Existe hoje em dia um movimento (informal, sem centro, sem liderança, gerado no boca-a-boca e na contaminação recíproca de inquietações e interesses) no sentido de supervalorizar a importância do Discurso; e um movimento contrário, mas de dinâmica muito parecida, no sentido de exagerar essa importância até o ridículo. No primeiro caso, temos um Cordão Azul dos artistas da linha Marcel Duchamp, que se afirmam pela ousadia, originalidade ou complexidade do gesto teórico que define suas obras. Estas, materialmente, podem nem ser grande coisa: uma roda de bicicleta, um punhado de tijolos, uma coleção de cinzeiros furtados, um quadro lambuzado de merda... “Isto é Arte?”, espanta-se a platéia. E o Discurso responde-lhe que sim, e responde tão bem que eu, pelo menos, saio convencido em metade dos casos.

Na outra metade não me convenço coisíssima nenhuma, e dou razão ao Cordão Encarnado, para quem o Discurso é uma forma de exercício do poder, e precisa ser desmascarado, exposto, carnavalizado, virado pelo avesso. A “pegadinha” urdida por Firmeza não teve como finalidade a criação de uma obra, mas a geração de uma turbulência no Discurso, entendido aqui como um feixe de discursos menores: a crítica especializada, os critérios para aprovação de projetos, o mercado-de-câmbio conceitual entre diferentes culturas (3o. Mundo e 1o. Mundo), e a própria reiteração de clichês do discurso artístico.

O perigo, neste último caso, é que como grande parte da Arte de hoje repousa unicamente no Discurso (porque a rigor nada a filia à Arte tradicional: pintura, desenho, artesanato, técnica, etc.) corre-se o risco jogar fora o bebê junto com a água suja da bacia. Quando o físico Alan Sokal produziu uma sátira aos “papers” acadêmicos e a publicou numa revista especializada, foi como se sugerisse que o mundo inteiro estava falsificando cheques, inclusive quem tinha fundos. Toda obra de arte é um cheque. Seu valor está na assinatura, e na crença de que o signatário do cheque tem fundos no “Banco Universal das Idéias”. Quando mostramos o quanto é fácil falsificar um cheque, permanece intocada a questão de que alguns têm saldo nesse Banco, e outros não.

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