domingo, 15 de fevereiro de 2009

0805) Comemoração de gol (16.10.2005)





No meu tempo, as coisas eram muito diferentes. Espera aí – não existe começo de crônica mais deprimente do que este, então... “última forma”! Comecemos dizendo que o mundo muda o tempo todo, e mesmo os tempos da minha infância estavam cheios de mudanças: eu não percebia porque não conhecera o que viera antes. Quando comecei a freqüentar com meu pai as cadeiras cativas do Estádio Presidente Vargas, os jogadores faziam um gol e ficavam ali mesmo dentro de área, se abraçando com os companheiros. Num momento de maior desafogo emocional, caíam ao chão e faziam aquele bolo confuso de jogadores. Parece incrível, mas naquela época ninguém comemorava com a torcida. Talvez os jogadores achassem que os torcedores estavam longe demais e não conseguiam avistá-los.

A televisão mudou tudo, até porque essa coisa de comemorar com a torcida nos chegava via TV, quando víamos os jogadores do Flamengo fazendo um gol e correndo para a beira do fosso, no lado esquerdo da imagem, esbravejando bravatas, extravasando tensões. E nestas últimas décadas surgiram duas outras formas curiosas e comemoração. A primeira delas é a mania de correr na direção do banco de reservas, com o dedo em riste apontando alguém – um companheiro a quem o gol é dedicado, ou o preparador físico que ajudou a recuperar para a partida o autor do gol. Uma variante pertinaz deste estilo é a do jogador que faz o gol, espertamente, vir se jogar nos braços do técnico, garantindo assim sua escalação no próximo jogo.

Mas o melhor de tudo são as Comemorações Coreográficas. Ainda não tenho uma posição oficial sobre o assunto. Quando vejo os brasileiros do Real Madrid fazendo um gol e esperneando como baratas, sinto que estou contemplando uma experiência-limite humana: os Kamikazes do Ridículo. Nossos jogadores parecem decididos a explorar todos os limites da palhaçada. Rebolam, plantam bananeira, balançam bebês imaginários, dançam boquinha-da-garrafa... Por outro lado, me consolo dizendo que isto é até um “refresco”, num futebol tão violento e desleal como o de hoje em dia, um futebol tão embebido de hipocrisia pseudo-cristã, em que atletas notoriamente cafajestes e carniceiros ficam mandando beijos para o Céu e dizendo “Jesus me ajudou a fazer esse gol”.

Resumindo – o que eu gosto nessas bobagens é o espírito lúdico e brincalhão que elas fazem vir à tona. O futebol perde aquela seriedade carrancuda, militarista, de atletas repetindo hipnoticamente que “estão determinados a alcançar o objetivo”. O que não gosto é o exibicionismo frívolo que elas revelam, aquelas vaidadezinhas-no-varejo estimuladas pela TV, que vive a sussurrar no ouvido de cada brasileiro: “É melhor ser visto por 50 milhões de pessoas por estar pagando um mico ou por ter cometido um crime do que não ser visto absolutamente”. É meio constrangedor ver um cara que faz um gol de placa achar que precisa dançar-o-tchan junto à lateral para que o país preste atenção a ele.

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