domingo, 18 de janeiro de 2009

0761) A fábrica de chocolate (26.8.2005)




Não gostei tanto quanto esperava de A Fantástica Fábrica de Chocolate, em cartaz na Paraíba. Acho que me acostumei a esperar sempre de Tim Burton aquela mistura típica de terror “light”, inventividade visual, comédia, e ritmo alucinado. Está quase tudo presente neste filme, mas o que faz falta é o ritmo alucinado. É o filme mais lento do diretor, muito distante da narrativa febril de Beetlejuice, das surpresas incessantes de A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça. E é uma lentidão que não parece opção narrativa, e sim um desacordo de tom entre roteiro, direção e atores. Nas cenas em que a câmara e a montagem tomam as rédeas, o filme cresce. Quando as pessoas começam a interagir umas com as outras, o filme pára de acontecer.

Johnny Depp, um ator que admiro, parece estranhamente deslocado. Não gostei do modo como ele interpreta o personagem de Willy Wonka, o cientista amalucado que fabrica os melhores chocolates do mundo. Não posso comparar este filme com o anterior de 1971 (como Gene Wilder no papel principal), que não vi, nem com o livro de Roald Dahl, que nunca li. Mas fico com a impressão de mais um daqueles filmes em que toda a energia é despendida desenhando e construindo cenários, e fazendo coreografias digitais com imagens multiplicadas de um mesmo ator, e ninguém acha que valha a pena cuidar da parte “realista”.

Pelo menos quatro críticos acharam a caracterização de Johnny Depp uma citação direta a Michael Jackson (Ed Park no Village Voice, Roger Ebert no Chicago Sun Times, David Edelstein em Slate, e Peter Travers na Rolling Stone). O rosto emaciado e de cor artificial, o cabelo que parece uma peruca, os enormes óculos escuros, a voz aguda e infantilóide, tudo isto num sujeito que vive dentro de um paraíso açucarado de balas e doces, uma gigantesca isca para criancinhas... Se isto é coincidência, aquelas caracterizações de políticos que eu vejo no “Cassete & Planeta” também são.

O mais interessante é o aspecto ficcientífico dos cenários: as engrenagens que fabricam e empacotam os chocolates na abertura do filme, o teleportador que coloca uma barra de chocolate no lugar do monolito de 2001, o elevador de vidro que voa em todas as direções. Burton tem uma imaginação visual infatigável, e neste aspecto a Fábrica nada deve a Edward Mãos de Tesoura, Batman e outros filmes seus. O filme também tem marcas daquela leve crueldade física das histórias de Roald Dahl, que faz tanto sucesso entre as crianças. Elas adoram ver personagens antipáticos sendo sugados por máquinas, arremessados num triturador de lixo, encolhidos, esticados. Deve ser um processo terapêutico de exorcização do medo à dor física, e Tim Burton, ele próprio uma criança grande que mantém à tona esse sadismo (como o eram Lewis Carroll, Henfil, Jonathan Swift) mergulha de cabeça nesses ritos de brutalidade virtual. Burton e Dahl prometiam ser uma dupla ideal; se o presente filme fica devendo, quem sabe no próximo.

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