quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

0753) Combinação contra o feda (17.8.2005)



Faz uns quarenta anos que não jogo bola-de-gude, mas tem algumas expressões que marcam a gente. “Estica”, por exemplo, é quando a gente alveja de perto e com força a bola do adversário, mandando-a à distância. E o que é um “feda”? Bem, um “feda” é um cara que ainda não conseguiu ser um “mata”. No sistema de jogo que aprendi, há um triângulo de buracos a serem acertados sucessivamente. Depois que o cara colocar sua bola em todos três, ele se torna um “mata”, ou seja, cada bola adversária que ele acertar é eliminada do jogo (quando o jogo é “na vera”, a bola é ganha de fato pelo mata, que a embolsa forever). Enquanto o cara não acertar aqueles três buracos, ele não é um mata, é um feda, ou “fedorento”. Muitas vezes o cara fica errando os buracos durante rodadas sucessivas, e morrendo de medo de ser acertado pelos matas, os quais, sádica e maquiavelicamente, se voltam contra ele, procurando fuzilá-lo de todas as maneiras.

Esta, amigos, é a “combinação contra o feda”, lição de vida que o jogo de bola-de-gude incorporou à gíria campinense, e talvez mundial. No mundo adulto, a combinação contra o feda ocorre toda vez que num círculo de sujeitos calejados e veteranos surge um novato cheio de empáfia, ou de sonhos ambiciosos, ou de boas intenções. É o “feda”. Contra ele mobilizam-se de imediato as velhas raposas, que sabem o quanto lhes custou chegar até ali, e que podem até nada ter em princípio contra o recém-chegado, mas querem testá-lo para saber se ele tem a casca grossa ou se vai falar fino no primeiro aperto que levar.

Ocorre em qualquer time de futebol quando o time vai mal e a diretoria contrata a peso de ouro um novato com a missão de ser o salvador da pátria (casos recentes: Dimba no Flamengo, o técnico Passarela no Corinthians). Os “matas” locais se juntam para sabotar e boicotar o “feda” recém-chegado. A nossa querida Seleção Brasileira está cheia de exemplos de jogadores que nunca tiveram a menor chance, porque jogavam contra os onze adversários e os dez “companheiros”.

Este é um dos numerosos ângulos deste filme que podemos chamar de “A tragédia do PT” ou “A Classe Operária é Expulsa do Paraíso”. O Brasil é governado há mais de cem anos (estou cravando o compasso no início da República, só para simplificar) por uma elite de “matas” que nunca deixou ninguém de fora do clube participar da festa. Houve o caso de Vargas, que ficou 15 anos como ditador; mas até ele dançou quando optou por um mandato legal, alvejado por um escândalo não muito diferente do de hoje. E houve o caso de Collor, outro “feda” bem sucedido mas sem base partidária: Direita e Esquerda uniram-se para defenestrá-lo dentro dos mínimos requisitos permitidos pela Lei. Lula e o PT são os novos “fedas” que sobem para o patíbulo por terem julgado ser o Palácio do Planalto o terceiro buraco que os tornava “matas”. Não, não era. O buraco do Poder, como sempre, é mais embaixo.

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