segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

0746) Um romance sem palavras (9.8.2005)


(o livro de Hu Wenliang, adaptado para caracteres ocidentais)

Tenho aqui em casa romance sem a letra E (La Disparition de Georges Perec), romance em imagens (Gods’ Man de Lynd Ward), romance sem começo nem fim (Lugar Público de José Agrippino de Paula), romance sem pé nem cabeça (Paniedro, de Herio Saboga)... Dá pra perceber que estou aqui me coçando para adquirir um exemplar do romance-em-código publicado há pouco na China pelo escritor Hu Wenliang. O romance está escrito em código, e ele oferece um prêmio (em moeda chinesa) equivalente a cerca de 17 mil dólares a quem o decifrar.

Quer se arriscar, caro leitor? Dou uma força, e lhe digo mais: você nem precisa fazer o pequeno investimento inicial de comprar o livro, porque “livro” mesmo não existe. O romance de Hu Wenliang consiste em apenas 14 sinais de pontuação chinesa, e pode ser copiado na maioria dos 308 saites da Internet que registraram o desafio. Só não o faço aqui por problemas técnicos – não sei se o jornal tem os respectivos caracteres. Mas é isso mesmo: são 14 caracteres chineses dispostos em cinco linhas, e que, segundo o autor, “contam uma história de amor”, que levou um ano para ser escrita.

O livro, aliás, tem como título um outro caractere de que não disponho aqui, o que me lembra alguns experimentos gráficos do grande Osman Lins, como em Avalovara, onde uma personagem não tem nome, e é indicada por um sinal específico (um círculo com um ponto no meio e duas “asinhas” simétricas na parte superior); e me lembra também o cantor Prince, que de 1993 a 2000 aboliu o próprio nome e pediu para ser designado por um sinal gráfico (um círculo encimando uma seta que aponta verticalmente para baixo, a qual tem uma pequena barra transversal formando uma cruz; a junção do círculo com a seta é cortada horizontalmente por uma forma que tem uma extremidade encaracolada à esquerda e uma extremidade aberta à direita, lembrando uma trompa de caça).

Estas tentativas de descrições mostram que se o cara tiver disposição ele verbaliza inclusive o inefável e o indescritível. Como duvidar, então, de que haja de fato uma história escondida nos 14 sinais de Hu Wenliang, e que ele nos desafie a encontrá-la? Ele afirma, imperturbável: “Tenho minha resposta, que consta de cerca de cem caracteres chineses. Uma interpretação correta deverá incluir a descrição dos personagens e o enredo da história. Pagarei o prêmio a quem adivinhar pelo menos 80% da resposta.” Não sei se tentarei decifrar o livro dele, pois estou muito ocupado escrevendo os meus próprios, mas desde já o coloco na mesma prateleiras dos que citei acima, e do romance-tatuagem de Shelley Jackson que comentei aqui (“Quero ficar em teu corpo”, 9 de fevereiro). Chamo a isto literatura conceitual: um novo tipo de texto que minimiza a dupla tradicional enredo-estilo, e coloca a obra a reboque de um conceito. É a expansão da arte-conceito, que também já invadiu a pintura (Duchamp), a música (John Cage), o cinema, o teatro e muitas outras artes.

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