segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

0719) Sartre (8.7.2005)



Passei batido o dia (21 de junho), mas não seja por isto. Não deixarei passar em branco o ano do centenário deste sujeito imprevisível, incrédulo, impiedoso, inquieto, infatigável... e outras virtudes da negação. Jean-Paul Sartre é um personagem que, como seu conterrâneo Jean-Luc Godard, deve ser abordado com cautela, porque desperta amores e ódios extremados. Quando entrei na adolescência, Sartre era um mito, era um dos sujeitos mais famosos do mundo, e tinha acabado de recusar o Prêmio Nobel “para não ser transformado numa instituição”. Minha relação com sua obra é curiosa, porque a verdade é que não sou um grande leitor de filosofia, e toda a obra teórica do baixinho passou por mim em branco, assim como sua série de romances Os Caminhos da Liberdade e seu teatro quase todo.

Meu conhecimento de Sartre se resume a três livros. Se ele só tivessse escrito estes, seria para mim um dos maiores escritores do mundo. O primeiro é A Náusea, que li aos 17 anos numa rebuscada tradução portuguesa, e reli tanto que sabia passagens inteiras de cor. É um romance extremamente bem escrito onde o desespero mental e o vazio emocional foram descritos de forma definitiva. Muito do livro se baseia nas experiências com mescalina que Sartre (muito antes do Huxley de As Portas da Percepção) fez na juventude. O livro é também sintomático de uma tendência dos franceses que explodiria nos anos 1950: buscar na música negra americana (jazz & blues) um exemplo de justificação estética da existência e de afirmação de uma energia vital para além do mero intelecto.

O segundo é a coletânea de contos O Muro, que não releio há trinta anos mas acho que estou precisando, porque o conto título tem algo quase de fantástico em sua manipulação da tragédia aleatória e da coincidência; “Erostrato” me parece uma prefiguração da crueldade egoísta, gratuita e anestesiada dos “serial killers” e dos terroristas de hoje; “A Infância de um Chefe” é tido como uma das grandes narrativas mostrando a formação moral de um líder fascista (lembrando o filme O Conformista de Bertolucci) mas pelo que lembro teria muito a dizer sobre as elites brasileiras de hoje.

E o terceiro é As Palavras, onde o escritor reconta com sarcasmo sua própria infância, suas pequenas hipocrisias de menino mimado e de “geniozinho da família”, sua decisão posterior de aceitar a máscara de escritor por não ter um rosto real que a dispensasse. É uma auto-análise implacável, numa prosa brilhante, cheia de humor, de emoção, de crônicas-de-época, de auto-ironia. Sartre pagou um preço alto por aderir ao comunismo (com quem brigou a vida inteira), embarcar em canoas-furadas da política, pisar nos calos de Deus e do mundo, ser extremamente vaidoso e muitas vezes arrogante. Poucos indivíduos que conheço tiveram tanta coragem de “entrar nas estruturas e depois sair delas”. Ergo uma taça de vinho em homenagem ao sujeito que disse: “Não existe liberdade sem responsabilidade”.

2 comentários:

VILAREJO ARAÚJO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Flávia Muniz Cirilo disse...

Oi Braulio:

gostei da aula sobre Sartre!
E a frase saideira merece mesmo um brinde!!!


abraço,
Flávia