quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

0687) Wampeters, foma e granfalloons (1.6.2005)

(Kurt Vonnegut Jr.)

O escritor Kurt Vonnegut Jr. tem um livro intitulado Wampeters, foma and granfalloons. É uma coletânea de ensaios, artigos de jornal, conferências, etc. As palavras do título foram tiradas do seu romance Cat´s Cradle. Elas mostram como nossa língua (e aqui se incluem a língua inglesa e a língua portuguesa) não é de jeito nenhum um sistema completo. Existem idéias para as quais não temos palavras, ou melhor, ainda não temos uma palavra específica.

O que é um “wampeter”? Não, amigo, não tem nada a ver com Vampeta, o bravo meio-campista da Seleção, que passou por tantos clubes e hoje joga no Brasiliense. Um “wampeter”, segundo Vonnegut, é um objeto em volta do qual giram as vidas de pessoas que não têm nada em comum além deste fato. Ele dá como exemplo o Santo Graal, um objeto mítico que tem sido procurado, estudado e discutido por pessoas de todos os países e de todas as épocas. Outros exemplos de wampeters poderiam ser, talvez, o monstro do Lago Ness e a “Pedra do Reino” de Belmonte. O grupo de pessoas cujas almas giram em torno de um wampeter é chamado de “karass”, e “assim como não existe uma roda sem um eixo, não existe um karass sem um wampeter".

“Foma” (e aqui eu fico em dúvida se a palavra é masculina ou feminina) são mentiras inofensivas destinadas a confortar os espíritos simplórios. Como exemplo de foma, Vonnegut cita frases do tipo “a prosperidade está ali na esquina”. Nossas coleções de provérbios e frases-feitas estão repletas de fomas: “Deus ajuda a quem trabalha”, “Antigamente era muito pior”, etc. Já um “granfalloon” é, segundo Vonnegut, um agrupamento pomposo e sem sentido de pessoas, uma associação irrelevante que serve apenas para dar um senso de importância àqueles que participam dela. Muitos dos nossos clubes sociais e associações culturais e políticas, sem dúvida, se enquadram nesta categoria.

Palavras assim podem até dar trabalho a um tradutor. (Eu as traduziria com “um vampeta”, “um(a) foma” e “um granfalão”) Mas elas são necessárias à língua, porque exprimem conceitos nítidos que antes tínhamos que referir por aproximação. É como “ciberespaço”, criada por William Gibson para definir o espaço virtual por onde passeia a mente conectada a uma rede de computadores. É curioso que o maior criador de palavras novas em nossa literatura, Guimarães Rosa, não tenha conseguido transportar nenhuma delas para nossa linguagem cotidiana. Não consigo me lembrar de nenhuma palavra rosiana que tenha passado a fazer parte do vocabulário, se não das pessoas da rua, pelo menos da comunidade literária. Usa-se “nonada”, mas esta, pelo que sei, era uma palavra já existente que ele trouxe de volta à circulação. Parece até que as pessoas têm pudor de usar criações tão personalizadas quanto as de Rosa. A maior homenagem que se poderia fazer a ele seria incorporar ao dicionário os milhares de pequenas invenções que ele nos deixou.

0686) As grandes viradas (31.5.2005)



Não pude ver a final da Copa dos Campeões da Europa, entre Milan e Liverpool. É um campeonato que me consola da obrigação de ver as peladas do Flamengo. Fiquei meio jururu depois que o Barcelona foi eliminado pelo Chelsea, e o Real Madrid pelo Juventus. Acabei torcendo pelo Milan, menos pelo time (que para mim continua sendo o time de Sílvio Berlusconi, aquela mistura de Don Corleone com Sílvio Santos) do que pelos brasileiros Dida, Cafu e Kaká. O jogo final em 25 de maio, na Turquia, foi para ficar na história. Imagino que o Nordeste “tá assim” de cantadores de viola aproveitando para rimar Istambul com Liverpool.

O Milan botou 3x0 no primeiro tempo e achou que o jogo estava ganho. No segundo, o Liverpool partiu pra cima deles “do jeito que a vaca partiu pra mestre Alfredo”, e aos 15 minutos já tinha empatado em 3x3. Foram para os pênaltis, e de nada adiantou Dida defender um, porque o goleiro do Liverpool, o tal de Dudek, defendeu dois e fim de papo. Acabei gostando do resultado, porque afinal de contas a taça foi morar perto de Penny Lane e do Cavern Club. E porque o Liverpool, apesar do ser o tipo do time que não gosto (que quando faz um gol fica só se defendendo), foi capaz de uma reação espantosa.

E aqui pra nós, tem algo de errado com um time que bota 3x0 e depois deixa o outro empatar, como fez o Milan. No ano passado, o Atlético Paranaense vinha de vento em popa na liderança, aí foi jogar com o Grêmio, que estava quase rebaixado, e saiu de um 3x0 a favor para um 3x3. A gente percebe que o time não tem muita firmeza, mesmo que seja tecnicamente superior, com elenco melhor e tudo. Deixar escapar uma vantagem de 3 gols não tem perdão.

Já falei aqui de grandes viradas no esporte – ver “Numerologia e futebol”, 10.2.2004; e “O mistério do esporte”, 5.11.2004. São aquelas situações-limite em que tudo parece estar perdido para um time, o adversário já começa a jogar beijinhos para a arquibancada, mas ele vai buscar energias sabe-se lá onde, e escala a ladeira do placar, até empatar e/ou virar o jogo. Houve um jogo de Ronaldo pelo Barcelona em que, se bem me lembro, o time saiu perdendo de 5x0 no 1o. tempo, e no vestiário um dos caras do Barcelona falou para ele: “Você não é o melhor do mundo? Então vai lá e vira esse jogo”. Os times voltaram a campo, Ronaldo fez os dois primeiros gols, e o jogo foi 5x5.

Não é só no futebol. Não sou um grande fã de Rubens Barricchelo, mas torci muito por ele no dia em que conquistou sua primeira vitória na Fórmula 1. Seria constrangedor se ele tivesse passado a corrida na cola de Schumacher, e no fim o alemão mandasse passar, com um gesto: “Pode ganhar, parceiro”. Mas não: Rubinho saiu na 18a. posição e veio comendo pelas beiras até alcançar a ponta e ganhar a corrida. Há uma bela foto da equipe da Ferrari, na chegada, vibrando, os caras praticamente se jogando na pista de tanta euforia. Momentos assim são a razão de ser do esporte.

0685) A força do amor (29.5.2005)



João é um jovem carioca, ganha um ótimo salário na empresa onde trabalha. João conhece Shakira, uma modelo fotográfica, e os dois se apaixonam. Ele tira uma licença não-remunerada no emprego, leva-a para Aruba, e ali vivem um mês de tórrida paixão. No vôo de volta pegam uma briga feia, vão cada qual para seu lado. 

João cai na fossa. Shakira não atende suas ligações. Num rompante de ousadia, ele vai numa concessionária e compra (parcelando em 48 vezes) uma BMW. Aborda Shakira quando ela sai de casa, e balança a chave diante dos seus olhos. Ela cai nos seus braços dizendo que o ama. 

Os dois decidem comemorar indo a Paris. Depois de uma semana lá, brigam de novo. Shakira volta para o Brasil, e João se apaixona por Yvonne, a garçonete do restaurante vizinho ao seu hotel. Pede demissão, arranja um emprego de garçom no mesmo restaurante, semanas depois casa com ela. João está tão apaixonado que exige um filho, mas como Yvonne não consegue engravidar, seis meses depois eles se divorciam e João volta para o Brasil. 

Ao desembarcar, está apaixonado por Lucinéia, uma jovem de Natal que o Destino sentou na poltrona ao lado da sua, no avião. Ele desce em Natal com ela, e pede a amigos no Rio que mandem sua mudança. 

O amor vai bem, mas João descobre que está sendo processado por abandono do emprego, e que um advogado francês está movendo contra ele uma ação de maus tratos contra a ex-esposa. Afundado em dívidas, ele pensa em vender a BMW e contrata um advogado para tomar o carro de Shakira. A pendenga se arrasta durante meses, ele perde a causa, e Shakira lhe move um processo por danos morais. 

Em desespero de causa, João pede calma a Lucinéia, volta ao Rio, vai a um Banco onde é amigo do gerente e levanta um empréstimo de 500 mil reais, a juros de 40% ao ano, para saldar as dívidas. Na saída do Banco reencontra Doralice, uma antiga namorada, e os dois se apaixonam. João pega os 500 mil e os dois vão para Las Vegas, onde ele perde tudo na roleta e bota a culpa em Doralice. 

Coitado do João? Que nada. João não existe. Coitados dos clubes de futebol brasileiro, que se comportam exatamente desta forma na contratação de técnicos e de craques. Nem vou falar na roubalheira (cartolas que usam os clubes para lavar dinheiro ganho com o crime organizado ou com a corrupção política), porque esse é um caso de polícia. Falo dos casos de amor sincero. Não há amor mais desinteressado do que o que um homem sente por um clube de futebol, mas este amor se materializa na forma de tresloucadas paixões por um craque ou um técnico que será o Salvador da Pátria. 

Ai da estrela (contratada a peso de ouro) se não salvar a pátria todo domingo. Os clubes se afundam, pagando viagens de “olheiros” e agentes, luvas e salários milionários, mordomias, multas rescisórias, processos trabalhistas... Como viciados em drogas, estão sempre dispostos a gastar até o que não têm para experimentar aquela sensação que lhes faz falta.






0684) Hitler e o Barba Azul (28.5.2005)



Ainda sobre a questão de Adolf Hitler: liberar demais pode ser um risco, mas proibir também não resolve. Vocês já leram a história do Barba Azul? O sujeito casa com uma mocinha e leva-a para morar no seu palácio. No primeiro dia, percorre o palácio com ela, mostrando tudo: jardins, salões, centenas de quartos. A certa altura ele se detém e mostra um quarto trancado. “Você pode entrar em todos os quartos, menos neste”, diz ele; “nunca chegue perto desta porta, em hipótese alguma!”. Dias depois ele faz uma viagem, e adivinhem qual é a primeira coisa que a mocinha acaba fazendo?...

Ninguém é “Hitler”, ninguém é “Gandhi”. Satanizar ou endeusar pessoas não é a melhor maneira de ensinar História aos nossos filhos. De nada adianta parar com eles diante de um quarto do palácio que tem uma suástica pintada na porta e dizer: “Você está proibido de ver o que tem aqui dentro!” É tiro e queda, meu amigo. Da próxima vez que você sair de casa para ver o filme de Michael Moore, seu garoto vai mergulhar na oratória do pintor-de-paredes.

Existem muitos jovens por aí que recusam, por convicções morais (não por “atitude roqueira”) toda a bandalheira que rola solta no País e no mundo. Jovens que vêem toda noite o Jornal Nacional denunciando mais uma falcatrua dos figurões da República, ou mais uma brutalidade dos imperialismos armados. Para esses jovens, “O Governo” é fonte de corrupção, militarismo, arbitrariedades, torturas, violência, injustiça social. Passei uns vinte anos da minha vida pensando isso dos Governos, e ainda hoje prefiro tratá-los a uma respeitosa distância. Algo neles é contagioso.

Vocês já leram entrevistas de rapazes neo-nazistas da Alemanha, dos EUA, do Brasil? Muitos são nazistas por pura maldade: “Queremos queimar judeus, queremos matar africanos, são todos sub-gente”. Esses aí são psicopatas mesmo. Mas muitos explicam: “O cara era foda... Ele sozinho enfrentou o mundo inteiro... A Alemanha estava lá embaixo, e ele levantou o país... Agora os poderosos fazem campanha contra ele, inventaram essa história de Holocausto... Ele queria era derrubar o capitalismo americano...” E assim por diante. Ou seja: criou-se uma unanimidade tão manipulada e tão obrigatória contra Hitler que um jovem desconfiado começa a achar essa história meio estranha.

Hitler era um excêntrico, um cara de grande carisma pessoal, capaz de arrebatar outras pessoas (ministros, generais, políticos) numa espécie de delírio coletivo na base do “É claro que vai dar certo!” que não é muito distante de alguns delírios menos malignos que tivemos aqui no Brasil, e basta dar como exemplos Jânio Quadros e Fernando Collor. Hoje, vocês (dirijo-me aos caros leitores que porventura tenham votado neles) sabem quem eram. Mas na hora, parecia que finalmente o Salvador da Pátria tinha aparecido, um homem de juízo, um homem honrado. E ainda vai acontecer de novo, quanto quer de aposta?

0683) A volta de Hitler (27.5.2005)



Os 60 anos do fim da II Guerra e o lançamento de um filme sobre os últimos dias de Adolf Hitler têm trazido esta ominosa figura de volta à imprensa. Diz-se muita besteira sobre Hitler por aí, e o pior é que são besteiras bem-intencionadas. Criticaram o tal filme porque ele “humanizava” Hitler, mostrava Hitler “como uma pessoa normal”, com momentos de bom-humor, de gentileza para com os outros, etc. Esses críticos devem achar que para evitar que o Nazismo volte basta demonizar a figura de Hitler, dizer que ele comia criancinhas (como se dizia dos comunistas), que era coprófago, não escovava os dentes e tinha doenças venéreas. Ou seja: deve-se emporcalhar o máximo possível a imagem do cara, para que ninguém no futuro queira se parecer com ele.

As obras de Hitler são liberadas no Brasil? Duvido. Proíbem, por medo de contaminação. E olhe que o Brasil é uma democracia onde todos têm o livre direito à informação e a expressar suas opiniões – se bem que basta ser Deputado, como Ronaldo Caiado, para obrigar a Justiça a proibir um livro onde ele é acusado de querer esterilizar as mulheres nordestinas. (O interessante é que o Governo, por um lado, proíbe os livros de Hitler, mas dá asas aos seus seguidores, permitindo que indivíduos como o nobre Deputado que advoga essa “Solução Final” tenham um cargo eletivo e façam tais propostas)

Todo mundo tem suas curiosidades. Eu li Mein Kampf aos 19 anos, mesma idade com que li o Manifesto Comunista, bem como os Protocolos dos Sábios de Sião. Era o tempo da ditadura militar, mas todos estes livros estavam disponíveis na Biblioteca Pública de Belo Horizonte. Se a simples exposição a eles fosse garantia de contaminação eu estaria ferrado, mas não era. Li todos, lembro de muito pouca coisa, e dos três confesso que somente o de Marx parecia fazer um pouco de sentido, porque se fundava em raciocínios, não em preconceitos. De lá para cá, li dezenas de livros sobre Política: socialismo, comunismo, nazismo, fascismo, anarquismo. E de tudo só me sobrou uma conclusão: “A Direita nunca me enganou. A Esquerda, já”.

Não reivindico a reedição dos livros de Hitler; tenho mais o que fazer. Mas demonizar uma figura histórica sempre dá problemas lá na frente. Dá a Hitler um valor que nem na Guerra ele teve. Quando Hitler apareceu, ganhou simpatizantes pelo mundo porque o Império Britânico era a Grande Potência, como os EUA de hoje. Ninguém agüentava mais tanto poderio e tanta arrogância. Surge um maluco na Alemanha batendo de frente com o Império, aí muita gente aplaude, como aplaudem hoje Bin Laden por enfrentar os americanos: “Esse é o Cara!” E o cara acaba se transformando numa espécie de Antonio-Conselheiro Bizarro, pelo simples fato de estar enfrentando o Governo dos Governos. Batendo de frente com os EUA, Bin Laden (como Hitler) induz todo mundo a pensar falsamente que se trata de uma briga de Davi contra Golias – e a torcer pelo falso Davi.

0682) Os geocêntricos e os heliocêntricos (26.5.2005)



Quando estudamos Geografia no curso secundário aprendemos a diferença entre estes dois sistemas astronômicos de explicação do Universo. O sistema geocêntrico era associado ao astrônomo grego Ptolomeu, e vigorou da Antiguidade até a Idade Média: o universo era uma série de esferas concêntricas, e a Terra estava no centro de tudo. Por volta do século 16, ele passou a ser substituído pelo sistema heliocêntrico, defendido por Copérnico e outros, no qual, em vez da Terra, o centro do Universo era o Sol. Esta teoria, apesar de mais correta, também caducou depressa. O Universo não tem centro.

Eu peço emprestados estes dois termos para classificar duas visões-do-mundo que vão muito além da mera Astronomia, mas têm uma relação profunda com aqueles dois sistemas. O que eu chamaria de “filosofia geocêntrica” é aquela que atribui um papel central à espécie humana. São aqueles sistemas de pensamentos em que a Humanidade é a régua que mede tudo. O ser humano, com suas lutas e aflições, é o centro de tudo, a razão de existir do Universo. Grande parte das religiões e das filosofias místicas adota esta posição, a ponto de precisarem mostrar seus deuses adquirindo forma humana.

Os heliocêntricos, por outro lado, acreditam que o universo material é um fim em si, algo que existe independentemente das criaturas que habitam o terceiro planeta em volta de um sol no recanto da Via Látea. O universo tem suas próprias leis, e elas passam por cima dos valores humanos. Note-se que esta visão não é privilégio de cientistas materialistas e ateus. O Taoísmo, por exemplo, é uma religião que vê o Universo como uma dinâmica própria de forças. Os seres humanos têm que conhecer essa dinâmica e adaptar-se a ela, porque o mundo não foi criado à nossa imagem e semelhança.

Como é natural, cada um destes grupos tem certeza absoluta e fé inabalável de que sua visão do mundo é a única correta. A grande “quebra” na cultura ocidental dos últimos séculos foi o crescimento da “visão heliocêntrica”, a idéia de que o ser humano não é tão importante assim, e que o Universo é o centro de si próprio, pouco ligando para o que nos acontece. Esta idéia incômoda e arrepiante produziu resultados como o existencialismo francês de Camus e Sartre, as histórias de terror cósmico de Lovecraft, o teatro-do-absurdo de Samuel Beckett, a ficção científica cética de Stanislaw Lem e Olaf Stapledon.

A hipótese “heliocêntrica”´adquiriu uma imensa plausibilidade em sociedades cujo centro de decisões intelectuais deixou de ser a Igreja e passou a ser a Universidade. E o recente contra-ataque das religiões de todo tipo (evangélicos no Ocidente, islâmicos no Oriente) tem certamente a ver com essa rejeição a uma visão do mundo que embora correta (eita, entreguei qual o time que eu torço!) exige muita coragem para ser enfrentada, porque nega a existência de um Significado anterior a nós, algo superior a nós mas em harmonia conosco.

0681) Pênalte é loteria? (25.5.2005)



Acompanhei, com o coração na mão, os jogos entre Treze e Fluminense pela Copa do Brasil. Sofri como não sofria há anos, e estou aqui (na manhã seguinte) com queda de pressão, dor de cabeça, e na boca um gosto de cabo-de-guarda-chuva. Ainda assim, coleguinhas, acho que valeu a pena e que fizemos bonito. O Galo está com um belo time, principalmente quando resolve partir para o ataque, como fez no segundo tempo do jogo decisivo, quando criou coragem e conseguiu colocar o Fluminense em seu devido lugar. Ganhamos com um gol irregular (me lembrou o gol de Emerson pela Seleção, no recente jogo contra a Argentina), mas o “placar moral” como diria Otelo Caçador foi justíssimo. Só perdemos nos pênaltis, como naquela outra vez contra o Corinthians, mas tenham certeza de que os vitoriosos voltaram pro Rio sentindo na boca um gosto de corrimão-de-cabaré.

Depois do jogo, na Rádio Globo, alguém veio com a surrada história de que “pênalte é loteria”. Isso é mais uma dessas famosas burrices que o pessoal do futebol vive repetindo desde que eu nasci. Pênalte é técnica, meus amigos. Técnica e treino, coisa que jogador brasileiro detesta. Os bons batedores de pênalte são aqueles caras que depois do coletivo chamam o goleiro juvenil e dão 50 chutes contra ele. Os outros não tem tempo, querem tomar banho, pegar o carrão, e ir para a “balada”, ou a buate, ou a gravação do comercial de cerveja. Na hora H, chutam nas nuvens e dizem que pênalte é loteria.

Uma disputa em jogo decisivo que acaba 9x8 indica uma única coisa: dois times tecnicamente bem preparados e com os nervos no lugar. Ainda mais considerando que estavam chutando contra dois excelentes goleiros. Em 20 pênaltis fizeram 17, quase todos foram muito bem batidos. A certa altura, alguém tem que errar, e essa má sorte coube a Wagner Diniz, que deslocou o goleiro mas bateu mal no canto oposto, para fora. Paciência. É do jogo. O Treze fez ótima campanha, e lembro agora o comentário de Luiz Mendes na Rádio Globo, no jogo em São Januário: “Vejam como é engraçado o futebol brasileiro: esse time da Paraíba joga na série C, mas é melhor do que muitos da série B, e do que alguns da série A”.

O pênalte de Diniz (o decisivo) foi mal batido? O de Beto, no travessão, foi mal batido? Não acho. Mal batido é quando sai um chutão na arquibancada, ou uma cafofa que mal chega nas mãos do goleiro. A cobrança dele me lembrou uma de Edmundo (Vasco) contra Dida (Corinthians) na decisão da Copa Mundial de Clubes, no Maracanã. Edmundo deslocou Dida para a direita, e chutou na esquerda... para fora. A jogada foi correta, perdeu devido a uma diferençazinha na execução. Isso não é pênalte mal batido, é um risco consciente, uma jogada que é executada em poucos segundos, e se o pé bater na bola um centímetro pra lá, ou pra cá, dá um metro de diferença quando ela chega no gol. A bola de Diniz passou pertinho. Paciência. Pênalte é técnica, e nenhuma técnica é infalível.