quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

0703) Lugares Sagrados (19.6.2005)


(Gruta de Lourdes)

Ouvimos isto com freqüência: existem lugares sagrados, lugares onde há séculos se praticam rituais, peregrinações ou cultos, e que estes lugares encerram em si um tipo especial de energia psíquica. Estão, por assim, dizer encharcados de emoção humana , dos resíduos emocionais dos milhões de pessoas que por ali passaram – mas não “passaram”, simplesmente como quem passa por uma estação do metro. Vieram até ali com a finalidade de viver ali uma das experiências mais intensas e profundas de suas vidas; e isto deixa marcas. Eu acho tudo isto plausível, quando penso em lugares como a Gruta de Lourdes, como o Juazeiro do Padre Cícero, como Stonehenge, como o Caminho de São Tiago, como a Capela Sistina.

Os que acreditam no sobrenatural postulam a existência de um “campo psíquico” ou coisa parecida onde essa energia fica acumulada, ou pelos menos resíduos dela. Acho meio fácil póstular a existência de coisas cuja existência não podemos provar. Até indícios em contrário, o Sobrenatural e o Espiritual são para mim criações literárias: coisas que inventamos por conta própria porque convém à nossa imaginação e às nossas crenças, e se passamos a acreditar na sua existência é problema nosso.

Eu proponho uma outra maneira de ver a questão. Não existe nenhum “éter” ou “plano espiritual” onde essa energia emocional se acumula. Existe, contudo, um campo material onde a existência dela pode ser facilmente detectada, medida, pesada, manipulada por estatísticas e descrita pelas fórmulas tão ao gosto dos materialistas da Ciência. Esse campo é o da Cultura. Cultura entendida no sentido de pensamentos compartilhados, de idéias coletivamente formadas e usufruídas, de manipulação sensorial (através de palavras, sons, imagens fixas ou em movimento) das idéias e emoções. O verdadeiro “campo psíquico” que dá significação aos Lugares Sagrados não está no mundo do espírito, e sim no mundo das preces, das lendas, das histórias, das fotografias, das estatuetas, dos filmes, dos documentários, dos livros, dos souvenirs, das relíquias, de todos os objetos materiais que nos evocam um lugar de adoração (seja a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, seja a Kaaba de Meca, seja o Santo Sepulcro) e imediatamente despertam em nossa memória uma gigantesca cadeia de associações de idéias, com tudo que nossa Cultura nos injetou sobre aquele assunto, ao longo da toda a vida.

A energia psíquica dos Lugares Sagrados não está acumulada neles, e sim nas imagens deles que circulam aos milhões pelo mundo afora. É a energia emocional despertada num cristão pela simples visão de uma foto da Gruta de Fátima ou da Praça de São Pedro. Quando ele tem a chance de ir pessoalmente a estes lugares, sua emoção se intensifica, e ele pensa que é porque existe “uma energia pairando no ar”. A energia paira, sim, e muito forte: mas paira em toda a estrutura profana que deve sua existência a essa crença no sagrado. Por favor, não me chamem de cínico se eu afirmar que a maior prova da existência do mundo espiritual são os bilhões de dólares que ele movimenta por ano.

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