segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

0692) Mangue não, companheiro (7.6.2005)


Anos atrás eu estava viajando a trabalho pelo interior do Nordeste, e quando almoçava no restaurante do hotel, no meio da tarde, comecei a ver um jogo decisivo entre seleções da Europa, acho que era Holanda contra Alemanha. Tinha outro hóspede na mesa ao lado e começamos a torcer pela Holanda. Eu estava torcendo porque isto era na época em que a seleção holandesa tinha dois craques absolutos, o crioulo Gullitt e o branquelo Van Baasten (acho que o atual técnico do Barcelona, Rijkaard, jogava nessa mesma equipe). Durante o jogo (que a Holanda acabou ganhando) percebi que o cara da mesa ao lado ia se exaltando cada vez mais. E na hora em que a Holanda fez um gol, ele vibrou muito, olhou em redor, e soltou essa pérola: “É pena que não tem nenhum alemão por aqui!”

Neste breve episódio está encapsulado um aspecto interessante do futebol, que compreendo, mas que me é absolutamente estranho. Grande parte das pessoas gosta de futebol meio a contragosto; eles não gostam muito do jogo em si, eles gostam é de tripudiar do adversário. Passam o jogo inteiro sem prestar atenção ao campo: tomam cerveja, fumam, contam piada, consultam o relógio... O jogo em si é-lhes indiferente. A arte futebolística, as jogadas fenomenais, as defesas impossíveis, os gols de placa... tudo isto passa pela sua alma sem deixar rastro. Mas na hora em que seu time marca um gol ou que o juiz encerra um jogo que eles ganharam, correm de imediato para o local mais próximo da torcida adversária, e tome palavrão.

Eu sou o contrário disto. Não, não quero me achar melhor do que ninguém, e penso até que esse pessoal está exercendo uma forma barata de psicoterapia que, dentro dos limites, acaba tendo uma função catártica e terapêutica. Mas eu assisto futebol em busca da grande jogada, da odisséia de auto-superação do atleta e do time, em busca das extraordinárias façanhas. Para mim, o adversário não é um inimigo a ser espezinhado: é um mero coadjuvante, cuja presença ali é necessária para a honra e glória do Meu Time.

Mangue não, companheiro. O torcedor adversário, no momento da derrota, deve ser tratado com compunção e respeito, como o sujeito que acabou de perder um ente querido. Nossas emoções devem ser no sentido da elevação do nosso Clube: sua bandeira, seu escudo, seus gloriosos símbolos. Devemos celebrar nossas vitórias porque elas exprimem a realização do nosso Destino, daquilo que viemos cumprir na Terra. Mangar de quem perdeu é pecado; Jesus fica triste.

Mas se tiver mesmo que mangar, mangue numa boa. Não queremos o fim dos nossos adversários. Que proveito teríamos se eles decretassem falência, dispensassem os plantéis, cerrassem as portas? Sobre quem iríamos tripudiar? Diante de quem desfilaríamos com a bola nos pés, que redes teríamos para estufar e fazer a terra tremer com nosso brado vitorioso? Longa vida aos nossos adversários. A presença da torcida adversária, afinal, é um dos ingredientes mais saborosos das nossas vitórias.

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