quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

0682) Os geocêntricos e os heliocêntricos (26.5.2005)



Quando estudamos Geografia no curso secundário aprendemos a diferença entre estes dois sistemas astronômicos de explicação do Universo. O sistema geocêntrico era associado ao astrônomo grego Ptolomeu, e vigorou da Antiguidade até a Idade Média: o universo era uma série de esferas concêntricas, e a Terra estava no centro de tudo. Por volta do século 16, ele passou a ser substituído pelo sistema heliocêntrico, defendido por Copérnico e outros, no qual, em vez da Terra, o centro do Universo era o Sol. Esta teoria, apesar de mais correta, também caducou depressa. O Universo não tem centro.

Eu peço emprestados estes dois termos para classificar duas visões-do-mundo que vão muito além da mera Astronomia, mas têm uma relação profunda com aqueles dois sistemas. O que eu chamaria de “filosofia geocêntrica” é aquela que atribui um papel central à espécie humana. São aqueles sistemas de pensamentos em que a Humanidade é a régua que mede tudo. O ser humano, com suas lutas e aflições, é o centro de tudo, a razão de existir do Universo. Grande parte das religiões e das filosofias místicas adota esta posição, a ponto de precisarem mostrar seus deuses adquirindo forma humana.

Os heliocêntricos, por outro lado, acreditam que o universo material é um fim em si, algo que existe independentemente das criaturas que habitam o terceiro planeta em volta de um sol no recanto da Via Látea. O universo tem suas próprias leis, e elas passam por cima dos valores humanos. Note-se que esta visão não é privilégio de cientistas materialistas e ateus. O Taoísmo, por exemplo, é uma religião que vê o Universo como uma dinâmica própria de forças. Os seres humanos têm que conhecer essa dinâmica e adaptar-se a ela, porque o mundo não foi criado à nossa imagem e semelhança.

Como é natural, cada um destes grupos tem certeza absoluta e fé inabalável de que sua visão do mundo é a única correta. A grande “quebra” na cultura ocidental dos últimos séculos foi o crescimento da “visão heliocêntrica”, a idéia de que o ser humano não é tão importante assim, e que o Universo é o centro de si próprio, pouco ligando para o que nos acontece. Esta idéia incômoda e arrepiante produziu resultados como o existencialismo francês de Camus e Sartre, as histórias de terror cósmico de Lovecraft, o teatro-do-absurdo de Samuel Beckett, a ficção científica cética de Stanislaw Lem e Olaf Stapledon.

A hipótese “heliocêntrica”´adquiriu uma imensa plausibilidade em sociedades cujo centro de decisões intelectuais deixou de ser a Igreja e passou a ser a Universidade. E o recente contra-ataque das religiões de todo tipo (evangélicos no Ocidente, islâmicos no Oriente) tem certamente a ver com essa rejeição a uma visão do mundo que embora correta (eita, entreguei qual o time que eu torço!) exige muita coragem para ser enfrentada, porque nega a existência de um Significado anterior a nós, algo superior a nós mas em harmonia conosco.

Um comentário:

Bruna Vedranine disse...

Parabéns, seu texto está muito bom!