segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

0679) As festas de Saint John (22.5.2005)



Sonho que estou de volta a Campina, vou andando pelo Parque do Povo mas começo a perceber detalhes estranhos. Nas “ilhas”, não vejo nenhum trio de forró: vejo grupos de músicos tocando violão, banjo e gaita-de-boca. O som que vem das enormes caixas de som nas laterais do Parque não um xote, é um rockabilly. E ao chegar no Arraial Hilton Motta, vejo com espanto que foi erguido ali um enorme cercado, onde um boi brabo escoiceia com um sujeito montado em cima, enquanto o povo grita eufórico; “Segura, peão!” Viro-me para uma moça ao meu lado, ela usa jeans, botas, camisa xadrez, lenço vermelho no pescoço, chapéu texano. Pergunto apavorado; “Em que ano estamos?” E ela: “Ora... estamos em 2015!”

Acordo banhado de suor, feliz porque foi só um sonho, mas ao mesmo tempo inquieto porque temos que seja um sonho profético. Desde que as grandes redes de TV iniciaram seu processo de “paulistização”, respondendo ao impressionante crescimento econômico do interior de São Paulo, um mercado consumidor de fazer inveja à Califórnia, o São João do Nordeste está se transformando numa sucursal das festas de peão do interior paulista. Se estivéssemos abrindo mão da cultura nordestina para trocá-la pela cultura sertaneja paulista já seria uma coisa errada; abrir mão dela para trocá-la por uma contrafação da cultura americana, por uma caricatura de um Texas que não existe nem sequer no Texas... é demais.

Duplas sertanejas passam o ano inteiro percorrendo as casas de show do Nordeste e faturando uma grana enorme. De onde vem essa grana? De paulistas exilados por aqui, saudosos do torrão natal? Não: vem de uma classe média nordestina que não gosta da música regional nordestina porque é feita por gente pobre e (mais grave ainda) gente pobre que vive na mesma cidade, que cruza com eles nas ruas, nos restaurantes, na praia, e que com isto perde o charme que um “artista de fora” sempre tem. Vai daí, esse pessoal acha chique botar chapéu de cowboy e cantar baladas românticas e ter o álibi de que está “apoiando a cultura regional” e “valorizando a música brasileira”.

Nada tenho contra as duplas sertanejas: pelo que sei, são músicos profissionais que estão ganhando a vida honestamente, cantando o que sabem cantar, e vendendo o que têm para vender. O que eu não entendo é que se chame esse pessoal (e as bandas de lambada que se intitulam “bandas de forró”) para fazer São João do Nordeste. Não já tem os outros 11 meses do ano? Não custava nada dar uma folguinha a eles no mês de junho para que fossem faturar noutra freguesia. Daqui a pouco teremos gritos de Carnaval nos clubes nordestinos ao som das baladas românticas de Zezé de Camargo & Luciano. Não é nada contra os rapazes, repito. É que o São João do Nordeste é o momento em que se deve mostrar a música que se faz no Nordeste dentro da tradição das festas de São João. Preciso dizer que música é esta, caro leitor? Se você não sabe, nem precisava ter lido até aqui.

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