quarta-feira, 22 de outubro de 2008

0616) Os oratórios de Farnese (10.3.2005)



Está em cartaz no Rio, no Centro Cultural Banco do Brasil, uma exposição (ao que parece, a maior já realizada) da obra de Farnese de Andrade, artista falecido em 1996. Tive meu primeiro contato com essa obra em 1971, quando no Festival de Cinema de Brasília o prêmio de melhor curta-metragem foi concedido a um documentário de Olívio Tavares de Araújo sobre a obra de Farnese. Nunca saiu da minha mente aquela coleção de objetos híbridos, “assemblagens”, caixas dentro de caixas, pedaços de bonecos ou manequins mutilados, fotografias antigas, imagens de santos, pedaços variados de vidro, de metal, de conchas do mar.

Há um depoimento de Farnese onde ele afirma ter estudado gravura durante vários anos, mas um dia uma porção de objetos que manipulava começaram a adquirir outro sentido quando justapostos uns aos outros, e ele passou a dedicar-se à confecção desses conjuntos tridimensionais. Há uma sala inteira da exposição dedicada aos seus oratórios: aqueles relicários de madeira de guardar santos, que nas mãos de Farnese viram uma espécie de “monstruário” de justaposições surrealistas. Um bebê de louça partido ao meio, com uma barata no interior. Bolas de cristal que emergem das paredes de madeira como se estas criassem olhos para nos espiar de volta. Há um objeto chamado “Orgasmo”, uma espécie de enorme compoteira de vidro com pedestal, cuja parte inferior é cheia de areia branca, tendo por cima uma camada de minúsculas esferas brancas, e sobre esta outras camada de bolas de vidro um pouco maiores, até que da abertura superior da compoteira emerge uma seqüência de bolas de cristal maciço, sendo que a última e menor delas traz dentro de si a imagem de uma criança.

Cada objeto de Farnese, se visto isoladamente, daria assunto para meia hora de contemplação silenciosa, e incessante associação de idéias. Quando vemos vinte deles numa mesma sala, em dez minutos julgamos ter visto tudo. O que é impacto original e perturbador de um “objeto inquietante”, como diziam os surrealistas, visto em conjunto denuncia o seu caráter técnico, de um gesto criador repetido. Sugere uma simples linha-de-montagem de surpresas pré-fabricadas.

Problema do artista? Não creio. Os oratórios de Farnese não foram feitos para ser assimilados em grupo, e sim isoladamente. Agrupá-los produz uma overdose que anestesia o espectador. É como um livro de poemas, que ninguém pega para ler de cabo a rabo – porque a obra de arte não é o livro, é cada poema. A obra de arte produzida por Farnese não são os trinta ou cinqüenta objetos daquela sala (a exposição toda, aliás, tem mais de 120), e sim cada um deles. Que, idealmente, deveria ser visto e pensado à revelia dos demais. A exposição ideal para Farnese deveria ser uma sala vazia com um objeto no centro, objeto que seria trocado toda semana, para que toda semana viéssemos repetir nossa visita e renovar nossa inquietação.

Um comentário:

inadepinho disse...

Parabens ao autor. Soube expressar toda a essencia de um Farnese.