terça-feira, 21 de outubro de 2008

0614) O Velho da Montanha (8.3.2005)


(cartum de Adrian Raeside)

Veteranos da guerra do Iraque têm sido tratados com “ecstasy” para combater o estresse da guerra: ansiedade, insônia, memórias recorrentes de situações de combate, e reações violentas que incluem maus-tratos à família e explosões de agressividade sem causa aparente. Os psicólogos afirmam que o “ecstasy” relaxa, dá uma sensação de “proximidade emocional”, ajuda os soldados a desabafarem seus traumas e sua sensação de inadequação à vida civil e familiar.

Faz sentido. O sujeito em guerra dorme com um olho aberto. Soldado que patrulha as ruas das cidades iraquianas é obrigado a passar o dia inteiro com o dedo no gatilho. Disparar um segundo depois de um alerta pode significar a diferença entre viver e morrer. Basta ver a besteira desta semana, quando soldados americanos metralharam o carro onde vinha uma jornalista italiana que, seqüestrada há um mês, acabava de ser libertada. Resultaram: meteram uma bala na moça, e mataram o agente do Serviço Secreto italiano que a estava escoltando ao aeroporto.

Um Governo puritano e moralista (ainda que só da-boca-pra-fora) como o de Bush recorre a drogas proscritas para tratar seus soldados? Isso me lembra a história do Velho da Montanha, o que criou na Pérsia a Seita dos Assassinos. As lendas são muitas. Por volta de 1270, o Velho da Montanha tinha um setor secreto em seu castelo com rios, fontes, flores, e belos pavilhões cheios de odaliscas. Voluntários eram drogados e transportados para esse lugar secreto, onde bebiam vinho, comiam os melhores pratos e as melhores odaliscas. Depois dessa semana no Paraíso, eram adormecidos, trazidos de volta, e encarregados de uma missão terrorista, geralmente sob a forma de assassinatos seletivos: matar o Xeique Fulano ou o Califa Sicrano. O prêmio seria o retorno ao Paraíso.

Não creio que o governo Bush venha a criar um “resort” cheio de “playmates”, com “ecstasy” e uísque à vontade, para recompensar o cara que passou dos ou três anos abatendo sunitas no Iraque. Isso seria mais de acordo com o perfil de um Governo Clinton. Mas o círculo vicioso entre drogas e guerra se fecha mais uma vez. Basta lembrar Apocalipse Now de Coppola, onde os soldados que patrulham de barco o rio Mekong fumam cada “estaca” do tamanho dum pincel-atômico pra poder agüentar aquele inferno. A própria guerra é uma espécie de droga euforizante, para os que a administram à distância. Como diz o nazista de um conto de Borges: “Giravam sobre nós os grandes dias e as grandes noites de uma guerra feliz. No ar que respirávamos havia um sentimento parecido com o amor”.

Scott Ritter, ex-membro da Comissão da ONU que procurou em vão as armas de destruição em massa no Iraque, fala assim do governo americano: “Eu o comparo com um adolescente que tomou ecstasy: feliz, mas sem saber por que está feliz. Quando o efeito passar, ele vai cair-na-real com toda violência, e a realidade é o atoleiro do Iraque, onde a resistência cresce sem parar”.

Nenhum comentário: