sábado, 18 de outubro de 2008

0606) É negócio pra homem (26.2.2005)


(desenho de Saul Steinberg)

Uma das balelas que mais me irritam na jângal de clichês do nosso cotidiano é a história de que tarefas intelectuais, racionais e lógicas são mais adequadas à mente masculina, e que as mulheres são mais propensas às tarefas que envolvem a sensibilidade, a emoção e o afeto. Nunca escutei sandice maior na minha vida, e se eu fosse mulher me dedicaria a combater isso com uma veemência que faria a Al-Qaeda parecer um Clube Dominical de Dominó. Fico imaginando como é que uma mulher (estou falando uma mulher de verdade, e não uma zumbi maquiada) escuta uma coisa dessas e não pega-em-armas.

De vez em quando ouço uma mulher dizendo; “Eu não consigo usar computador. É coisa pra homem. Essas coisas são frias, lógicas, matemáticas, mas eu lido é com a emoção.” A primeira coisa que me vem à mente é que essa cidadã é incapaz de pagar uma conta ou passar um troco, porque não tem atividades mais lógicas e matemáticas do que estas. Uma mulher que diz uma coisa assim é incapaz, a meu ver, de dirigir um automóvel. E no entanto, os motoristas mais rápidos que conheço são todos homens (porque dirigem emocionalmente), e as motoristas mais confiáveis que conheço são mulheres (que dirigem com o juízo). E o que dizer de cuidar do orçamento de uma casa, comprar material escolar, organizar uma festa, preparar um almoço? São atividades onde a emoção e a afetividade só interferem marginalmente. São atividades lógicas e matemáticas (medir quantidades, determinar espaços, formar grupos homogêneos, planejar alternativas...), ou será que eu fiquei doido?

Existe coisa mais intelectual do que receita culinária? Uma mulher que não gosta de coisas lógicas é incapaz de distinguir o que são “250 gramas” ou “2 colheres e meia” de algo, ou de interpretar corretamente instruções sutis como: “Sal e pimenta a gosto” ou “Levar ao forno até dourar”. E não venham me dizer que quem faz isso é a “sensibilidade”, a “intuição feminina”. Sensibilidade e intuição são processos intelectuais, e sua única relação com o mundo emotivo é que só recorremos a eles quando estamos movidos pela emoção, geralmente a ansiedade por não ter obtido sucesso seguindo os processos convencionais. A intuição é um livro sem título na lombada, mas as instruções que contém são de ordem intelectual.

Existe coisa mais fria e lógica do que fazer tricô ou crochê? Folheei alguns álbuns de instruções dessas nobres artes, e dei graças à Providência que me fez nascer varão, levando meu pai a me ensinar o xadrez. Se eu tivesse nascido mulher, minha mãe ia querer me ensinar tricô, e minha vida intelectual seria abortada no nascedouro. Tiro o chapéu para as mulheres que tricotam calmamente, agulhas em punho, enquanto falam da vida alheia. Aquilo ali é mais difícil do que consertar placa-mãe. Minhas caras amigas, a mente humana é formatada nos cinco primeiros anos. Cuidando a tempo, tudo é possível. Até mesmo um homem aprender tricô.

2 comentários:

tibor disse...

Ô Braulio, menos, menos...

Unknown disse...

Conheci uma moça que estava prestes a abandonar o trabalho como divulgadora de livros em escolas porque tinha de enfrentar, todos os dias, o trânsito da BR 116. "Isso é uma coisa muito masculina" ela me disse, ansiosa, enquanto um enorme caminhão nos ultrapassava. "Essa semana eu até perdi a paciência e briguei com um motorista". Imagina se ela andar comigo, hehehe...
Quanto ao tricô, meu amigo, aí e que você se engana. Enquanto as mãos estão ocupadas com agulhas, o cérebro fica absolutamente livre para divagar. Maquinei boas histórias tricotando e crocheteando.