sábado, 11 de outubro de 2008

0594) Arqueologia Midiática (12.2.2005)



Gosto de títulos bombásticos, e esse aí em cima me parece um bom começo de conversa. É essa a expressão que me vem à mente toda vez que estou precisando localizar imagens gravadas, porque a maior parte do meu arquivo de imagens está no formato VHS. Isto significa que tenho prateleiras e mais prateleiras de armários cheias de caixas de fitas. São camadas e mais camadas geológicas, com todo tipo de material, parte dele com milhões de anos de idade. Um sambaqui semiótico.

Quando comecei a usar TV a cabo, há oito ou dez anos, me deslumbrei com as infinitas possibilidades de montar um arquivo “com todas as coisas que eu gostava”. Aí, danei-me a comprar fita virgem e a gravar tudo que aparecia. Na véspera eu pegava a revista, olhava a programação e assinalava o que tinha de bom. No dia seguinte ficava num pé e noutro, trabalhando no computador e controlando o video-cassete, pra ver se a gravação estava indo bem.

Vai daí que hoje tenho aqui, absolutamente inutilizáveis e inexibíveis, filmes policiais americanos, jogos do Flamengo, gols da rodada, reportagens sobre a Paraíba, especiais sobre Ciência ou ficção científica, entrevistas, talk-shows, “Globo Repórter” sobre assuntos que me interessavam, musicais, curtas de animação, retrospectivas de fim de ano. Tenho todos os jogos do Brasil na Copa de 94. Tenho pilhas de filmes daquelas coleções “Clássicos do Cinema”. Tenho fitas com copiões de filmes de amigos meus. Tenho pilhas, com metros de altura, de fitas VHS com material de pesquisa de que precisei para este ou aquele trabalho. E morro de pena de jogar isso no lixo.

Alguns vou ter que jogar, porque já estão cobertos pela glacê branca e mortífera do mofo, e aqui chegamos ao objetivo deste artigo. Manter registros históricos é essencial, mas só tem sentido quando podemos mantê-los mesmo, pra valer. De nada adianta ter uma biblioteca de antigos pergaminhos se não conseguimos salvá-los do mofo e dos cupins. Por outro lado, meu video-cassete está quebrado, e mesmo que eu queira ver uma fita dessas agora, não posso. E em breve não vão existir no Rio técnicos que consigam consertar um video-cassete. Vai virar uma profissão em desuso, como a de calígrafo-de-diploma.

Ao atravessar essas camadas geológicas de informações preciosas, e agora inacessíveis, sinto um abalo profundo numa das minhas convicções mais sinceras, a de que é preciso preservar a Informação e o Conhecimento. Eu já tenho mais informações do que posso acessar. É impossível registrar tudo. É impossível guardar tudo. E é impossível voltar a ver o que foi registrado. O problema de um arqueólogo da mídia é que ele vai fazer suas escavações na esperança de encontrar cacos de cerâmica, pontas de flechas, jóias, crânios, tabletes de argila com inscrições, moedas. Mas basta ele pegar uma fita mofada, com a caixa partida, para ele ver que o Passado não existe mais. Foi dissolvido pela Entropia. Virou areia.

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