quarta-feira, 8 de outubro de 2008

0581) Os escritores reclusos (28.1.2005)


(Thomas Pynchon)

Quando Thomas Pynchon publicou em 1990 seu romance Vineland, os editores de suplementos literários espoucaram champanhes e correram à janela para soltar uma pistola-de-3-tiros. 

Há dezessete anos que o público e a crítica dos EUA esperavam o “próximo romance” do autor de Gravity´s Rainbow, um livro monumental e impressionante, que muitos disseram ser o maior romance americano do século 20 (e que foi traduzido no Brasil por Paulo Henriques Britto, com o título O Arco-Íris da Gravidade). 

O New York Times apressou-se a encomendar uma resenha do livro logo a quem? Ao indiano Salman Rushdie, autor do famoso e polêmico Os Versos Satânicos, que provocou enorme rebuliço no mundo muçulmano, fazendo com que os aiatolás do Irã lançassem contra Rushdie uma “fatwa”, ou sentença de morte. 

A sutileza e a ironia que cerca a publicação daquela resenha vem do fato de ser um escritor recluso comentando a obra de outro. 

A sentença de morte proferida pelos aiatolás, em fevereiro de 1989, fez com que Rushdie tivesse que desaparecer do mapa. Guardado por policiais britânicos (ele é cidadão britânico, nascido na Índia), Rushdie vivia trocando de apartamento toda semana, isolado da família e dos amigos, refém de assassinos desconhecidos movidos pelo fanatismo religioso ou pelo apetitoso prêmio de um milhão de dólares prometido pelo Irã a quem desse cabo dele. Durante dez ou doze anos viveu desse jeito. O tradutor do livro no Japão foi assassinado, e houve tentativas contra as vidas do editor norueguês e dos tradutores na Itália e na Turquia. 

Thomas Pynchon é outra história. Ele nasceu em 1937, estudou na Universidade de Cornell, trabalhou nos escritórios da Boeing Corporation, e depois que começou a publicar seus romances imensos e complexos, sumiu do mapa. Só se conhecem duas ou três fotografias dele, de quando era estudante. Ao que parece, mora em New York, mas a imprensa não consegue localizá-lo. Todos os contatos são feitos através de seus agentes. O cara é extremamente cioso de sua privacidade, não quer ver a mulher e os filhos envolvidos com assédio de fãs (fã de escritor faz tanta bobagem quanto fã de cantor de rock), e pronto. 

Os casos de Rushdie e Pynchon demonstram o desequilíbrio yin-yang de nossa civilização, das leis do oito-ou-oitenta a que temos de nos submeter. É o sujeito que-se-sair-de-casa-é-morto comentando a obra do sujeito que-se-sair-de-casa-é-endeusado. Ou então é o recluso-a-pulso comentando a obra do recluso-por-opção. 

Fala-se muito em escritores que se refugiam numa torre de marfim, mas existem casos em que a torre de marfim é o único lugar de onde se enxerga o mundo por inteiro, para quem realmente quer fazer isto. Ser recluso tem contra-indicações, mas tem vantagens: a possibilidade de fugir do papo furado, do “compromisso social”, dos coquetéis, das entrevistas sem propósito ou substância, dos milhares de compromissozinhos que impedem um escritor de escrever.





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