quarta-feira, 8 de outubro de 2008

0580) “To do or not to do…” (27.1.2005)


(Innokenti Smoktunovsky, no papel de Hamlet)

Uma das minhas teorias prediletas é que a primeira coisa que qualquer gênio literário faria, se ressuscitasse hoje, seria revisar os próprios livros. Meteria a caneta encarnada numa porção de coisas que hoje em dia são consideradas geniais. Shakespeare é um que gemeria: “Não, não, não era bem assim que eu queria dizer!” Tomem por exemplo o seu trecho mais famoso, o monólogo do Hamlet. Não sei de nada mais inadequado do que iniciá-lo dizendo “To be or not to be, that is the question...” Porque, se continuarmos a leitura, veremos que não se trata de “ser ou não ser”, e sim de fazer ou não fazer.

O poeta nos descreve uma situação, e dois modos possíveis de reagir a ela. Ele nos pergunta o que é mais nobre, diante das injustiças do mundo, diante dos insultos, das calúnias, das flechadas e pedradas com que o mundo nos alveja durante a vida: resignar-se ou reagir? O que é mais nobre: fazer-se de mouco, dar de ombros, mandar o mundo lamber sabão, engrossar o couro, agüentar calado? Ou passar recibo, cismar dos pés, arregaçar as mangas, tomar satisfação, reagir à altura? É este o dilema filosófico proposto pelo poeta.

A questão filosófica de “ser ou não ser” nunca se colocou para mim. Meu negócio é ser, é existir, é estar vivo. Acho que a simples possibilidade de um dia eu não-ser é mais aterrorizante do que os monstros de H. P. Lovecraft. Há uma frase de William Faulkner: “Entre o Sofrimento e o Nada, eu prefiro o Sofrimento.” O problema é que no momento em que decidimos que nossa opção é “To Be”, aí sim, coloca-se o verdadeiro problema: fazer ou não fazer? Agir ou não agir? Encarar ou não encarar a barra-pesada do mundo?

Por bem ou por mal, eu acho que sou dos que não reagem. Acho mais nobre agüentar os sofrimentos do que “empunhar armas contra um mar de problemas, para enfrentá-los, e extingui-los.” Não gosto de enfrentamento. Eu sou o tipo do cara que tenta argumentar até com um tsunami: “Calma, não precisa alagar a praia desse jeito, vamos pensar numa alternativa...” Não digo isto para me gabar: é um mero diagnóstico. Admiro os guerreiros, de Spartacus a Lampião, os valentes que vão à luta e mudam o mundo, mas admiro muito mais os filósofos estóicos, aqueles que trincam o dente e pensam: “É nenhuma...” A maior parte das pessoas perde um tempo enorme tentando resolver problemas irrelevantes, pelo simples fato de que não conseguem suportá-los. São incapazes de dizer as frases mágicas “Deixa Pra Lá”, “Não Vale a Pena”, “O Que Vem de Baixo Não me Atinge” ou “Eu Só Piso em Merda Quando Não Vejo”. Desgastam-se e esgotam-se numa luta incessante contra as besteiras do mundo, como aqueles turistas americanos que nunca viram uma mosca e, aqui no Brasil, ficam querendo espantar da sala cada mosca que aparece.

Reagir? Brigar? Pegar em armas? Admiro quem faz, mas não sou eu. Meu reino não é desse mundo. E meu verbo preferido é dormir – talvez sonhar.

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