quarta-feira, 8 de outubro de 2008

0579) Não é literato, mas é escritor (26.1.2005)




(A autora de Caminho das Borboletas: Meus 405 dias ao lado de Ayrton Senna, 1994)

Eu gostaria de dar um modesto palpite numa discussão interminável que rola por aí quando as pessoas folheiam um jornal e lêem as famosas “Listas dos Mais Vendidos”. Vão lendo os nomes que aparecem e dizem: “Isto é uma injustiça! Paulo Coelho não é escritor. Não escreve nada que preste... E olhe aqui: o livro de Dona Lily Marinho na lista! Ela não é escritora. Lair Ribeiro não é escritor, Içami Tiba também não é, Pasquale Cipro Neto também não... O que diabo esse pessoal, que não é escritor, está fazendo numa lista dos mais vendidos?!”

Se você pensa assim, caro leitor, permita-me discordar. Todos esses cidadãos, e muitos outros, são escritores, sim, pela simples razão de que escreveram e publicaram livros. Escritor é quem escreve, não é mesmo? Podemos, no máximo, maldar que pagaram a alguém para fazê-lo. Quando a esfuziante Adriane Galisteu publicou suas memórias do tempo de namoro com Ayrton Senna, eu me permiti um breve momento de dúvida sobre os pendores daquela senhorita para os processos sintáticos de articulação do discurso, e ousei supor que ela teria contratado um “ghost-writer”. Bastou-me, no entanto, folhear o livro para ter certeza de que foi ela mesma quem escreveu aquilo.

Sim, companheiros, trago para vocês esta má notícia: Adriane Galisteu é escritora, e nada podemos fazer quanto a isto. Escritor não é quem escreve bem: é quem escreve. (Eu, por exemplo, digo a todo mundo que sou cantor; alguém me nega este direito?) Quem escreve um livro de auto-ajuda, um livro de viagens, um livro de “pensamentos”, é escritor; quem escreve uma biografia é escritor. Estas pessoas lidam com a palavra escrita, com o discurso verbal, e têm o direito de se proclamarem escritores. Sem falar que há escritores técnicos, escritores especializados, que publicam livros sobre Gastroenterologia, sobre Jardinagem, sobre Direito Constitucional, sobre Informática. São escritores, sim senhor. Usam o discurso verbal para expor idéias ou agrupar informações sobre as suas respectivas áreas de trabalho.

O que esses indivíduos não são é literatos. Eles não praticam a arte da Literatura, a qual, por coincidência, também se manifesta através do discurso verbal. Toda Literatura se manifesta pelo discurso verbal, embora nem todo discurso verbal seja Literatura. A arte da Literatura, cujo praticante pode ser chamado de “Literato” (acho uma palavra horrível, mas na falta de outra, vá ficando esta) envolve a ficção (o romance, o conto, a novela, etc.), a poesia, a crônica (que tem uma interface com o Jornalismo), a Dramaturgia (que tem uma interface com o Teatro), etc. Quem pratica isto é, além de escritor, literato, e aí tenho outra má notícia, porque não é preciso ser um bom literato para ser literato. O pior literato que você imaginar é tão literato quanto Machado de Assis. Quem os define não é a qualidade do que produzem, é a natureza da atividade a que se dedicam.


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