terça-feira, 26 de agosto de 2008

0525) Abaixo os gregos (24.11.2004)



Das leituras marxistas do meu tempo de estudante, não aproveitei nada das obras políticas, mas as leituras filosóficas me rendem assunto até hoje. Lembro-me dos manuais de Materialismo Dialético, o qual sempre achei muito mais consistente do que o Materialismo Histórico. A teoria marxista é uma beleza. Quem a estragou foi Lênin, com aquela mania de aplicá-la na prática.

Os autores dialéticos que eu lia aos 20 anos criticavam a filosofia aristotélica. Para Aristóteles, diziam eles, “A” é “A”, e “B” é “B” – ou, como diria Tim Maia, “uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa”. Para Aristóteles, “A” não pode ser ao mesmo tempo “não-A”. Ora, para a filosofia dialética, “A” pode ser “não-A”, sim senhor, por que não? Muitas coisas podem conter em si a sua negação, o seu contrário. Os seres (e mais que eles, os grupos sociais) estão muito mais próximos de entidades complexas e heterogêneas do que de entidades simples e homogêneas. Esta verdade me parece tão óbvia que me pergunto como é que a fórmula simplória de Aristóteles conseguiu sobreviver durante tantos milênios.

Os gregos são ainda o ponto de referência principal de nossa Filosofia, de nossa Ciência e de nossa Arte, o que me parece o maior dos equívocos. Não que eles fossem tapados, mas a sua percepção do mundo era limitadíssima. Vejam o caso de Ptolomeu e sua concepção do Universo (baseada em Aristóteles) tendo a Terra como centro. À primeira vista, correspondia ao mundo observado, pois é fácil notar que o sol, a lua e as estrelas giram todos em volta da Terra. O problema é que à medida que a observações iam se tornando mais detalhadas, os dados não batiam com a teoria. Mil e quatrocentos anos foram consumidos pelos astrônomos tentando adaptar os fatos à teoria de Ptolomeu, criando sub-teorias como a dos “epiciclos” e dos “deferentes”, etc. Aí um dia chegou Copérnico e disse: “Esquece os gregos.” No momento em que esqueceram os gregos e organizaram os dados de que dispunham, os astrônomos entenderam tudo.

Quer outro exemplo? Euclides, o pai da geometria, criou todo um edifício teórico baseado na demonstração de seus postulados. A geometria euclidiana era tida como algo tão sólido e tão cristalino quanto a aritmética dos números inteiros, algo que não foi questionado durante 2.200 anos. Aí no começo do século 19 apareceu um russo, Lobatchevsky, que questionou o Quinto Postulado, o das paralelas, e mostrou que a geometria de Euclides era apenas uma entre várias geometrias possíveis. Em vinte e dois séculos ninguém tinha percebido. Por que? Porque ninguém questionava os gregos.

Questionemos os gregos, meus amigos. Não necessariamente os naturais daquele simpático país que nos deu tantas coisas boas. Os "gregos" a que me refiro são os autores que ninguém discute, que são sempre tomados como ponto de partida. Na ciência e na arte não há verdades indiscutíveis. Quando uma coisa estiver grega demais, desconfiem.

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