sexta-feira, 15 de agosto de 2008

0513) Delírio no andar de cima (10.11.2004)


("O assassinato de Marat", J. J. Weertz)
Não sei se essas coisas são noticiadas na Paraíba. Tomara que não sejam, porque poupa aos paraibanos o desprazer de constatar mais uma vez a estupidez humana. Mas, pensando bem, tomara que sejam, para que possamos nos consolar pensando que a estupidez humana não é privilégio nosso, está eqüitativamente distribuída por todo o território nacional.

Fato 1: Os jornais noticiam que, semana passada, em Petrópolis (RJ) um garoto de 7 anos arengou com uma coleguinha na escola e os dois meteram a merendeira na cabeça um do outro. O pai da menina deu queixa à polícia, e um oficial de justiça foi à casa do menino, intimando-o a ir prestar depoimento na delegacia.

Fato 2: Semanas atrás, num restaurante chique da Zona Sul do Rio, uma madame reclamou do charuto do cara da mesa vizinha. O cara disse que as mesas deles estavam na área de fumantes. A mulher insistiu, houve um bate-boca que foi aumentando de tom. A mulher julgou-se ofendida, anunciou que era mãe de uma Delegada, e passou a mão no celular. Minutos depois, dois ou três viaturas chegaram ao restaurante, com policiais armados, encapuzados, aquela SWAT toda, parecia cena de “Casseta & Planeta”. Tentaram prender o sujeito, que passou a mão na carteira e mostrou que era oficial aposentado das Forças Armadas: “Preso é que eu não vou”. Uma operação-de-guerra por causa de um charuto.

São dois sintomas do que eu chamo de “O Delírio do Andar de Cima”. A Revolução Francesa inventou ou pôs na roda uma porção de ideais democráticos e republicanos, direitos civis, etc. e tal. E esse arsenal ideológico foi apropriado pela elite do nosso país (à qual pertenço, e provavelmente você também, caro leitor). Vai daí que toda vez que um mosquito pousa no calo de alguém do Andar de Cima, toda a máquina jurídico-policial do país é mobilizada, porque foi ofendido um Cidadão. Essas pessoas têm uma noção desproporcional da própria importância. E sabem que basta dar uma carteirada ou ligar para um amigo influente para que todo o aparato tribunalício do País seja chamado para espantar o mosquito.

Será que eu sou contra as liberdades democráticas e o exercício da cidadania? De jeito nenhum. Mas episódios como estes que descrevi mostram a situação de delírio social em que vive o Andar de Cima. Direitos civis são um bem escasso, disputado a tapa pelos cinco por cento que mandam no País e pelos 15 ou 20% que brigam para fazer parte dos cinco. Existem no papel, existem no blá-blá-blá da imprensa, mas não existem de fato para todo mundo. É como aquela história do repórter de TV que chegou lá no sertão do Seridó, ou noutro lugar que estava sofrendo uma seca braba. O cara entrou num casebre miserável, cheio de crianças doentes, e depois de alguma conversa perguntou a um menino o que ele gostaria de ser. E o menino disse: “Eu queria ser um mico-leão dourado, porque tem tanta gente querendo cuidar deles!”

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