domingo, 3 de agosto de 2008

0490) Direitos autorais (14.10.2004)



Basta dar uma passada rápida pela História da Literatura ou pela História da Música Popular Brasileira para a gente ver que esse negócio de autoria individual de uma obra é uma preocupação relativamente recente. Durante muitíssimo tempo as pessoas acharam super normal publicar um livro sem dizer que o tinham escrito. Quando Manuel Antonio de Almeida publicou em 1852 suas Memórias de um Sargento de Milícias, um livro que muitos figurões de hoje em dia gostariam de ter escrito, botou como assinatura: “Um Brasileiro”. Parece um gesto dadaísta, não é mesmo?: Não é: era um costume da época. A primeira edição de Tamerlane and Other Poems, o primeiro livro de Edgar Allan Poe (1827), foi assinada por “Um Bostoniano”. Outros autores ocultavam-se atrás da modesta cortina de um pseudônimo, ou de suas próprias iniciais.

Na música, então, nem se fala, principalmente na música brasileira, cuja vertente mais caudalosa brotou das senzalas, dos cortiços, dos pardieiros, dos botequins, das casas de má-fama, das fazendas, das roças, de todos os lugares onde as pessoas faziam música para se divertir e para se expressar, sem que lhes passasse pela cabeça que aquilo podia ser também um comércio. Por outro lado, nessa mesma época as polcas que se tocavam nos salões machadianos eram impressas, assinadas e vendidas. A preocupação com “quem fez”, “quem vai ganhar por isso” parece ter sido sempre da classe média e da pequena burguesia.

A importância da autoria individual de uma obra está geralmente na razão direta da sua possibilidade de lucro. Não se dá muita importância à autoria quando se produz dentro de um ambiente de amadorismo total. A “arte-pela-arte”, curiosamente, é uma atitude mais comum entre os muito pobres do que entre os muito ricos. Numa economia de subsistência cultural, onde a função da arte é a instrução espiritual e o lazer, o “corpus” artístico pertence a todos, e serve como um banco-de-dados de onde cada um retira o que lhe convém.

Quando essa atividade se expande, se amplia para multidões, invade outras classes sociais, atinge outras regiões geográficas... aí começam os primeiros comichões do profissionalismo. Um ou outro indivíduo começa a fazer-se recompensar pelo que escreve ou compõe. Os demais percebem que existe quem pague por aquilo. Vai brotando o inevitável olho-grande, vai surgindo um mercado, com todas as suas conseqüências: lucros, salários, disputas por um público. A autoria de um sucesso, possibilitando lucro financeiro, passa a ser objeto de disputa. Brigas ferozes por esta ou aquela obra mostram a necessidade de que se estabeleçam normas e critérios consensuais para que se possa afirmar quem fez o quê, e quem tem direito a quanto por aquilo que foi feito.

É natural que pessoas de classes sociais diferentes, de ambientes econômicos diferentes, encarem com maior ou menor rigidez a noção de autoria, e tenham dificuldade em compreender os critérios usados fora de sua comunidade.

Um comentário:

Félix Maranganha disse...

Ainda bem que os Evangélicos e os Católicos nunca se preocuparam com as milhares de obras baseadas na Bíblia espalhadas por aí, para cobrar direitos autorais, dizendo que não faz setenta anos desde a morte do autor, já que Deus está vivo, e Ele é o autor.
Seria muito engraçado um processo dessa qualidade.