sexta-feira, 1 de agosto de 2008

0481) Kabul contra 007 (3.10.2004)



O primeiro filme de James Bond que vi foi Moscou contra 007, e fiquei fã. Li todos os livros, vi todos os filmes. Só parei quando, na era Roger Moore, foi ficando cada vez mais inverossímil, ou eu mais realista. Tudo que eu queria na época da Bondlatria era ter 10% daquela auto-confiança, e pegar ao menos uma daquelas mulheres (eu não saberia o que fazer com duas). Jamais imaginei, no entanto, que a vida de um agente secreto de verdade fosse daquele jeito. O próprio cinema já nos mostrava exemplos mais amargos do submundo da espionagem, como O Homem que veio do Frio, e mesmo os que tinham algo hollywoodiano, como Ipcress – Arquivo Confidencial, que revelou ao mundo Michael Caine, estavam a léguas de distância do delírio high-tech e high-society que eram os filmes de 007.

Hoje, vejo nos jornais o desespero inútil dos melhores Serviços Secretos do mundo diante do neo-terrorismo islâmico. Depois do 11 de setembro, li uma entrevista de um alto funcionário da CIA onde ele comentava assim o atentado: “O que me humilha, em primeiro lugar, é que nós não teríamos condições logísticas de praticar um ato como aquele, se quiséssemos. Em segundo lugar, mesmo que tivéssemos as condições, não teríamos a ousadia.” Nos jornais desta semana, vê-se que as condições logísticas até para rastrear os passos da Al-Qaeda são as mais precárias: faltam tradutores confiáveis em árabe, e fala-se em 500 mil horas de gravações sigilosas da Al-Qaeda que não puderam ser transcritas pelo FBI, o qual parece estar mais para Johnny English do que para James Bond.

Antes da invasão do Afeganistão, em 2002, vi um comentário na imprensa que me deu pena. Um figurão de Washington dizia: “Na Guerra Fria contra os soviéticos, era muito fácil encontrar pessoas fluentes em russo e dispostas a espionar os russos nas principais cidades da Europa Oriental. Seriam funcionários públicos, técnicos, etc.; iriam se hospedar em hotéis razoáveis, ou viver em conjuntos habitacionais, enquanto colhiam informações sigilosas. Para espionar o Talibã, contudo, é preciso falar uma meia-dúzia de dialetos árabes, e estar disposto a viver coberto de andrajos, morando numa caverna, comendo bode torrado.” Como os americanos, ainda por cima, não gostam de bode torrado, é fácil sentir o drama.

A espionagem de hoje se parece cada vez menos com um livro de Frederick Forsyth, John Le Carré ou Ken Follett. Depois que a guerrilha islâmica entrou no mapa, ninguém mais quer ser espião. Antigamente, o sujeito se encantava com 007 mas se conformava em ser algo parecido com Ken Philby, o agente duplo britânico que entregou o ouro à URSS e refugiou-se lá. Hoje em dia, Ken Philby está tão irreal quanto Bond ou Napoleon Solo, “o Agente da UNCLE”. Quem quiser ser espião tem que respirar poeira no Triângulo Sunita, beber água com cistosoma nas cisternas afegãs, dormir numa gruta, e pior é que o bode de lá não pega nem uma letra pro do Bananal.

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