sábado, 14 de junho de 2008

0410) As mil mortes do “Pasquim” (13.7.2004)




Notícias na imprensa informam que “O Pasquim” acaba de morrer de novo. Fiquei um pouco triste, mas deixei passar. O “Pasquim” já acabou tantas vezes que acabei me convencendo de sua imortalidade. Cedo ou tarde ele brota de novo, no lugar onde menos se espera. A cada reencarnação o velho tablóide parece surgir mais diluído, mas não importa. O “Pasquim” é como aquele velho cinema de bairro que na adolescência nos exibiu desde os clássicos europeus até os nossos primeiros filmes pornô. Deixamos de frequentá-lo, mas se for preciso lutaremos até a morte para que ele continue funcionando.

Fica difícil explicar aos mais jovens a importância que teve o “Pasquim” na época em que apareceu, em 1969. Falta o mais importante: fazer entender o contexto histórico. O jornal surgiu na pior fase da censura do governo militar, uma situação difícil de descrever para quem tem menos de 30 anos. Como era em princípio um jornal dedicado a matérias “leves”, sobre cultura, e a textos de humor, surgiu e foi passando. Para quem, como eu, tinha 19 anos, era uma revelação. Foi lá que vi pela primeira vez quadrinhos de Don Martin, cartuns de Saul Steinberg, contos absurdistas do português Santos Fernando. Era possível ver, lado a lado, artigos de Sérgio Augusto sobre jazz e de Sérgio Cabral sobre samba. Líamos a página de Paulo Francis com análises políticas e logo em seguida a página dupla “Underground” onde Luiz Carlos Maciel falava de drogas alucinógenas, comunidades hippies, contracultura e Jimi Hendrix. Reinaldo Jardim escrevia ferozes versos satíricos em redondilha sob o pseudônimo de “Barrabás”, e Millor Fernandes contava suas “Fopos de Esábula” (“O Macorvo e o Caco”, etc.).

O pessoal se queixa às vezes de que eu sou (ou sôo) meio saudosista, de modo que vou pular de vez para o momento presente. O “Pasquim 21”, este que encerra agora sua trajetória, é um vestígio daquela época. Ele cumpriu a função de manter viva uma marca, e de agrupar essas figuras que minha geração aprendeu a admirar. O que precisamos, hoje, é de publicações alternativas que se oponham ao comercialismo e à futilidade com a mesma sem-cerimônia com que o “Pasquim” se opunha à censura e ao autoritarismo.

Os assuntos propostos pelo “Pasquim” de 1969 eram desconhecidos dos jovens daquele tempo, ou porque fossem proibidos pela ditadura militar, ou porque fossem algo que estava começando a surgir no mundo, ou porque eram assuntos (como a filosofia oriental) a que ninguém nunca tinha dado muita importância. Hoje, tudo isso foi absorvido pela indústria cultural. Rock, drogas, radicalismo político, misticismo, permissividade sexual... isso é o que sustenta, hoje, não a imprensa alternativa, mas as redes de TV e as agências de publicidade. Em algum lugar, contudo, um novo pasquim deve estar se preparando pra trazer à luz os assuntos proibidos de nossa época, para nos dar as informações que nem sabemos ainda estarem faltando em nossas vidas.

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