sexta-feira, 16 de maio de 2008

0394) Os fãs escritores (24.6.2004)


No começo diziam que o uso de computadores e o hábito de viajar na Internet iriam tornar os nossos jovens ainda mais iletrados do que são. Essa infundada lenda parece ter origem no fato curioso de que as pessoas que nunca chegaram perto de um computador pensam que um computador é movido a matemática. Para eles, um computador é uma calculadora eletrônica onde também é possível jogar joguinhos como come-come, batalha-naval e paciência. O que estes bem-intencionados leigos ignoram é que os computadores de hoje são máquinas movidas a texto, e que nunca, jamais, em tempo algum, os nossos jovens (não falo os da Paraíba, falo os do Planeta Terra) produziram tanta quantidade de texto. Escreve-se hoje, graças aos computadores e à Internet, muito mais do que se escrevia há poucas décadas.

Um subproduto interessante dessa frenética atividade é o que se chama de “fan fiction”, a ficção produzida pelos fãs de heróis ou séries da cultura de massas. Talvez tenha começado com as revistas de pulp fiction dos anos 30-40, onde os fãs de ficção cienífica sempre foram um tantinho-de-nada mais espertos e mais diligentes do que os demais. Foi se propagando para séries específicas, como Star Trek e Star Wars, e hoje abarca tudo que faz parte da cultura de massas: livros, cinema, TV, quadrinhos, jogos.

É tudo muito simples. Existe no mercado um número de limitado de histórias de, digamos, Sherlock Holmes. Depois de ler tudo que há para ler, os fãs do velho Sherlock começam a escrever suas próprias histórias tendo o detetive como protagonista. Neste caso não há problema porque a obra de Conan Doyle já caiu em domínio público. Mas no caso de heróis cuja imagem é protegida por direitos autorais, isto significa que os fãs não podem publicar profisionalmente suas histórias. Durante anos eles se resignaram a mimeografar e xerocar seus textos, passando-os de mão em mão, usando o Correio. Aí de repente surgiu a Internet. Saites e homepages começaram a pipocar por toda parte.

Uma pequena mas eficaz porta de entrada, para quem quiser arriscar um olho nesse universo, é o saite Fan Fiction (http://www.fanfiction.net/). São milhares de historinhas, curtas, longas, bobas, espertas, mal-feitas, razoáveis, tendo como protagonistas os heróis de universos como Senhor dos Anéis, Indiana Jones, o Mochileiro das Galáxias, Bridget Jones, e muito mais. É curioso observar que neste saite há 464 colaborações na rubrica “Shakespeare”, 102 em “Jane Austen”, 35 em “H. G. Wells”, 64 em “Charles Dickens”, 1.269 em “a Bíblia”, 106 para “Homero”. Claro que não se compara às 131.376 colaborações sobre “Harry Potter”, mas vocês queriam o quê? Não se exija dessa ficção amadorística a qualidade dos artistas que a inspiram. É fundo de quintal. É futebol de pelada. A grande literatura não brota do nada. Brota de um caldo literário espesso, temperado, variado, e que ferva na panela de pressão de uma sociedade cheia de opções.

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