segunda-feira, 7 de abril de 2008

0353) Qual é o teu preço? (7.5.2004)



(Tom Waits)

Zeca Pagodinho é muito esperto, hem? Primeiro, inventou que era um grande bebedor de Brahma. Esta isca atraiu a Schincariol, que o convidou para o famoso comercial do “Experimenta!”. Zeca experimentou, assinou um contrato, e começou a faturar. Mas aí (diz ele) deu uma saudade danada da Brahma; e Nizan Guanaes foi até o sítio dele (convidado por quem, meu Deus?) e lhe propôs um retorno à Brahma e ao horário nobre, com o comercial onde ele falava do “amor de verão”. Resultado: bebeu das duas e faturou das duas. Quanto à credibilidade dele, bem, da minha parte a única coisa que muda é que eu pensava que ele gostava mais de cerveja do que de dinheiro, e agora estou em dúvida.

Quando um sujeito diz que é capaz de ganhar qualquer tipo de dinheiro, começa a aparecer todo tipo de proposta, e daí para ele estar aceitando todas é só uma questão de tempo. Mesmo assim, John Densmore, ex-baterista do grupo The Doors, publicou em “The Nation” um artigo onde explicava por que motivo sempre vetava o uso de músicas do grupo em comerciais, mesmo que isto gerasse conflitos com os remanescentes da banda (cuja carreira afundou após a morte do vocalista Jim Morrison em 1971). Diz ele: “Para mim é mais do que claro que não devemos fazê-lo. Não precisamos do dinheiro. Mas é claro que toda vez que a gente recusa, os caras dobram a proposta!”

Em resposta ao seu artigo, o cantor e compositor Tom Waits (aquele que toca piano, usa uma barbicha-de-bode e tem a voz de Louis Armstrong) mandou uma carta dizendo: “Canções contêm informação emotiva, e algumas delas nos levam de volta a tempos, lugares ou eventos decisivos em nossa vida. Não admira que as corporações queiram pegar carona no poder deste encantamento, para convencer você a comprar refrigerantes, roupas íntimas ou carros, enquanto dura o seu transe. Artistas que vendem suas canções para a publicidade estão envenenando e pervertendo essas obras. Lembre-se: quando você vende suas canções para um comercial, está vendendo também o seu público.” E finaliza: “O que as corporações querem é seqüestrar nossa memória cultural para nos obrigar a comprar os seus produtos.”

Nelson Rodrigues dizia que o dinheiro compra tudo, até amor sincero. Aqui no Brasil Tom Jobim quase foi linchado em cadeia nacional quando vendeu os direitos da canção “Águas de março” para um comercial de Coca-Cola. Eu confesso que não vi essa negociação com a maior das simpatias, mas eu já vendi tanta coisa minha por uma merreca, como posso questionar quem vende as suas por uma fortuna? Tudo tem um preço? Tem. O que não tem no mundo é megacorporações que possam pagar o quanto certos artistas valem. Como dizia Machado de Assis, se for para se sujar, suje-se gordo!


Por isso que no dia em que alguém perguntar por quanto eu cedo uma música minha, digo, na lata: “Me dá 500 milhões de dólares, e eu assino agora mesmo.”

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