sábado, 29 de março de 2008

0328) Gatos e cachorros (8.4.2004)




Cresci numa casa onde tinha bicho de toda qualidade, parecia a casa do Dr. Dolittle. Minha mãe chegou a ter 8 ou 10 gatos de uma vez só, a tal ponto que nunca se achava uma cadeira ou poltrona onde não já houvesse um felino principescamente refestelado. Tivemos cágados e tartarugas, tivemos cutias de estimação (das quais só lembro a saudosa Balalaika, que um dia sumiu pela vizinhança, perseguida por uma horda de cães entusiasmados), tivemos até sapos, que percorriam a casa com a gravidade de desembargadores, procurando mosquitos com olhos míopes. Minha mãe tinha um amor à Natureza de fazer enrubescer a maioria dos ecologistas urbanóides que vivem aí pelos gabinetes. Curiosamente, não se orgulhava disso nem fazia alarde. Para ela, gostar de sapos e cutias era tão óbvio quanto respirar.

Pode parecer paradoxal, mas vem daí minha estranheza diante das pessoas que têm bichos de estimação, porque todo mundo ou tem cães ou têm gatos. Os americanos costumam perguntar: “Are you a cat person or a dog person?” Nunca vi um americano perguntar: “Are you a cutia person?” Em português usamos a expressão “gatos e cachorros” para dizer “todo tipo de coisa” (“Não gosto desse bar, aqui entram gatos e cachorros”), mas isso acaba limitando nossas opções mentais. Não vejo ninguém criar nada fora gatos e cachorros.

Eu já tive um galo amarelo, quando pequeno, e asseguro ao leitor que nenhuma decisão moral me foi mais custosa do que a de permitir a minha mãe passá-lo na panela quando a ocasião se apresentou. Outro bicho que pensei em criar foi um gaiamum que veio numa corda trazida por meu pai de uma viagem a Goiana. Simpatizei (eu tinha 8 anos, minha gente) com um dos gaiamuns, salvei-lhe a vida e fiz planos de criá-lo no quintal (que era cimentado) até que ambos atingíssemos a maioridade. Dias depois, cheguei de manhã ao quintal para ver o nosso cachorro na época (sim, havia cachorros também) parado, olhando-me com expectativa, com as patas do gaiamum emergindo da boca fechada. Eu ia fazer o quê? Sou cristão. Perdoei o cachorro.

Me desculpem os leitores de preferências felinas ou caninas, mas eu só acredito que alguém gosta de bicho se criar um iguana, um tatu, um castor... Não me venham de gato siamês ou husky siberiano. São modas passageiras insufladas pela mídia na mente de quem precisa de um tamagochi orgânico para alimentar, lavar, acarinhar... Por que não se voltam, então, para as minorias zoológicas que há milênios esperam um gesto de carinho, uma latinha de leite ao pé do fogão, um trapo aconchegante na área de serviço? Por que não criam um bicho de verdade – uma preguiça, um gambá, um ornitorrinco? Essa preferência absurda por cães e gatos parece o sistema eleitoral norte-americano, onde não se concebe a existência de um partido que não seja o Democrata ou o Republicano. No dia em que um terceiro partido eleger um presidente lá, eu juro que adoto um avestruz.

Um comentário:

Anônimo disse...

Um ORNITORRINCO seria mesmo a realização de meu sonho de amante dos animais. Se alguém me informar como adotar um, volto a postar...pra contar como são as conversas dele com meu gato.
Rubia - RJ.