quarta-feira, 26 de março de 2008

0300) O fanático (6.3.2004)




("Caprichos" de Goya: "Asta su abuelo")


O fanático que amarra dinamite ao corpo e se auto-explode dentro de um ônibus ou de um shopping-center é um caso extremo, mas não o mais típico. O fanático típico é aquele que fica com raiva quando discute um assunto. Não importa se se trata de futebol, música popular ou religião, o fanático é uma mente sequestrada por uma idéia alheia. Quando converso com um sujeito que possui uma Ideologia, nunca deixo de ter a incômoda sensação de que é a Ideologia quem na verdade o possui. Se a gente ousa contradizer um só dos slogans que ele emite com a tranquilidade olímpica dos iluminados, vemos que ele se transforma, porque o fanático, por mais que se ostente condecorado de certezas, não habita o Monte Olimpo da verdade absoluta, e sim a Montanha da Perdição do “Senhor dos Anéis”, onde um Sauron totalitário impõe a-ferro-e-fogo sua versão pessoal dos fatos.

Não sei de melhor antídoto para essas extremismos do que a tranquila sensatez de Jorge Luís Borges, quando dizia: “As polêmicas são inúteis. É inútil estar de antemão de um lado ou do outro, sobretudo se ouvirmos a conversa como uma polêmica, se a virmos como um jogo em que alguém ganha e alguém perde. O diálogo tem que ser uma pesquisa, e pouco importa que a verdade saia da boca de um ou da boca de outro.” O velho Borges não era tão bonzinho e tão zen quanto esta frase sugere, mas pouco importa. Ele sempre soube que o que nós dizemos é superior ao que somos.

Suponhamos que o tema da discussão é a frase acima, de Borges: eu concordo com ela, e meu amigo discorda em gênero, número e grau. Eu jogo essa idéia (“bater boca não adianta nada”), meu amigo me traz uma dúzia de argumentos mostrando que bater boca adianta, sim senhor, que é através da dialética das idéias que se chega a uma síntese mais elevada, e pá, e bola, bê-bê-bêi, caixa de fósforos... Uma ou duas horas depois, teremos examinado o tema pelo direito e pelo avesso. Eu saí lucrando alguma coisa, ele também, e cada um volta pra casa pensando que se saiu melhor do que o outro.

Mas há pessoas cujas idéias estão por trás de uma barreira intransponível, uma muralha de titânio com dez mil metros de altura e quinhentos de espessura, protegida por canhões-laser e bombas atômicas. Ai de quem disser: “Que é isso, rapaz, isso que você está falando não tem nada a ver...” Tomara que sua família esteja por perto, para decidir o que fazer com as cinzas.

Por que são assim? Há duas possibilidades. Uma é de que o sujeito tenha passado a vida inteira lendo, estudando, pensando, discutindo, até chegar a uma conclusão; e ele vê com horror a possibilidade de abrir mão dessa conclusão, aceitar uma opinião alheia, e ter que começar tudo de novo. Aí tudo bem; acho que também é o meu caso. Em muita coisa. Mas... a outra possibilidade é de que, sem o saber, ele seja um fanático. Uma idéia foi infiltrada na sua mente a golpes de doutrina. E aí, meu amigo, saia de perto, antes que ele puxe o detonador da dinamite.

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