sábado, 15 de março de 2008

0250) Prolixidade (8.1.2004)




“Prolixidade” poderia ser definida como uma das características mais marcantes da nossa cultura contemporânea, e que consiste, basicamente, em empregar o maior número possível de palavras ao tentar exprimir verbalmente uma idéia, por mais simples que esta seja, sendo que essas palavras, em sua maior parte, submetidas a uma análise fria e objetiva, revelam-se como totalmente desnecessárias ao contexto, uma vez que não são indispensáveis para que o leitor consiga apreender a idéia exposta.

O exemplo acima talvez deixe claro para o leitor o quanto é fácil mergulhar nas ondas sedutoras do miolo-de-pote. A conversa que não diz nada, a encheção de linguiça, o nariz de cera. 

Jornalista adora isto, político mais ainda, e escritor, este então nem se fala. Grande parte da nossa literatura (não falo da paraibana; falo da literatura mundial) foi posta de pé por indivíduos que nasceram com esta mais terrível das maldições: a facilidade para escrever. 

Tem gente que escreve sem fazer esforço. Escreve como quem passeia, como quem cantarola, como quem respira. Não existe maior embriaguez para a alma do que fazer uma coisa com facilidade. 

É como esses jogadores que têm jeito para driblar. O cara pega a bola na intermediária, sai driblando na direção da área, mas aí a zaga o encurrala, e ele volta, driblando ainda, rumo sudoeste, passa por dois companheiros sem vê-los, faz um zigue-zague, dribla mais dois, passa perto da órbita da meia-lua, recebe combate, volta driblando para o meio de campo... 

Uma vez, quando Renato Gaúcho jogava no Flamengo, contei doze dribles sucessivos, nenhum dos quais na direção do gol.

Umberto Eco tem algumas páginas interessantes sobre a estética literária do romance de folhetim. Ele sugere que aquele estilo, cheio de rodeios, repetições e encheções de linguiça, tinha não somente a finalidade de ajudar o autor a encher as tantas páginas que precisava entregar por dia ou por semana. Aquele era o ritmo narrativo do folhetim, onde o autor se deleita em prolongar o prazer da escrita, e o leitor faz o mesmo com o prazer da leitura. 

A consequência disso, contudo, foi que cada geração de narrativas saía mais adiposa do que a anterior, e foi precisa a lipoaspiração modernista para acabar com tanto “arrodeio”. 

Os romances britânicos do século 19 tinham em torno de 500/600 páginas. Vai ver que a ascensão do conto como gênero literário, nestes 150 anos, foi uma espécie de reação a modelos tão caudalosos.

A prolixidade, em si, não é um defeito. Ela pode ser usada com função estética. Cervantes é prolixo, Rabelais é prolixo. Guimarães Rosa, que trabalhava com este mesmo software de origem barroca, começou prolixo e foi afinando. 

O que ocorre é que entre nós, no País dos Bacharéis, há um número desproporcionalmente elevado de prolixos sem talento, prolixos insuportáveis, prolixos que não dizem nada; lê-los é caminhar numa estrada pedregosa que dá voltas e voltas e nunca chega a lugar nenhum.







4 comentários:

Kyanja Lee disse...

Como ser prolixo com conteúdo: eis aí o grande desafio da contemporaneidade, que valoriza a velocidade com que os olhos leem e assimilam a mensagem, antes mesmo que esta alcance o coração.

Wandecy Medeiros disse...

Espero que eu não tenha esse defeito, pois nada me angustia mais do que ouvir alguém fazer um arrodeio imenso para dizer uma coisa. Tem gente que para dizer que comeu frango no almoço tem que dizer também o nome da granja em que comprou o frango.

Virginia disse...

Para a literatura o texto prolixo vale. Para textos técnicos, não. Em resumo é o que penso.

Anônimo disse...

É a escrita da novela de tv. Você tem uma laranja pra fazer um suco. Então você espreme a sua laranjinha e mistura com 280 litros de água, em doses homeopáticas e diárias. O resultado? Oito meses de novela diária no ar.