segunda-feira, 10 de março de 2008

0153) De olhos fechados (17.9.2003)






Passei a semana lendo De olhos fechados, o roteiro do filme de Stanley Kubrick, o conto “Dream Story” em que o filme se baseou, e Eyes wide open, o livro em que o roteirista Frederic Raphael conta como foram seus 18 meses de trabalho com Kubrick. De sobremesa, revi o filme. E chega, né? Não tenho intenção, nem tempo, de esgotar o assunto: somente o saite da Internet Movie Data Base fornece links para 223 artigos sobre o filme. Se eu fôr ler isso tudo, não vou ter mais o que dizer.

Adaptar o conto “Traumnovelle” de Arthur Schnitzler era um projeto pessoal de Kubrick; ele passou 25 anos pensando nisso. O filme é imensamente fiel ao conto. As principais interferências são a transposição de Viena em 1926 para New York contemporânea, e a introdução do personagem de Victor Ziegler, em cuja festa de Natal Bill (Tom Cruise) reencontra um amigo pianista que facilita sua entrada numa orgia sexual de pessoas mascaradas. Ziegler é interpretado por Sidney Pollack (o diretor de A noite dos desesperados, Tootsie e vários outros), que faz um convincente milionário com partes iguais de calhordice e diplomacia.

O público não gostou do filme. O público gosta de filmes que começam com perguntas e terminam com respostas. Eyes wide shut começa com perguntas, e mais e mais perguntas vão se acumulando, a tal ponto que as respostas fornecidas por Ziegler a Bill na longa cena da mesa de bilhar esclarecem a trama policial, mas não dão à história um fechamento padrão. Acho que está certo. Bill e Alice são um típico casal-20 de Central Park West, tão felizes que nunca precisaram conversar a sério (ou talvez só sejam felizes porque não o fizeram). Quando o filme termina, estão pela primeira vez vendo a si mesmos como realmente são. E estão começando a fazer perguntas.

O filme é um pequeno ensaio sobre o sexo como uma forma de exercício de Poder. Há dois eixos que se cruzam. Num eixo horizontal, o das relações interpessoais, temos um típico casal de classe média alta, jovem mas conservador, casalzinho modelo, protegido da sordidez do mundo, cuja única pequena transgressão é dar uma bola de vez em quando, e mesmo assim no sagrado recesso da alcova conjugal. O jogo do poder e luxúria entre eles sofre a interferência de uma porção de “ruídos”, que são as premissas românticas de amor, fidelidade, cumplicidade, etc. Quando essas premissas são ameaçadas, eles entram em crise (Bill principalmente).

Num eixo vertical, temos o sexo-pra-valer como demonstração de poder: a cena da orgia dos ricos (o roteiro fala de “prostitutas de mil dólares a noite”). Ali, não há premissas românticas. Sexo é sexo, dinheiro é dinheiro. É uma briga de cachorro grande com a qual Bill nunca sonhou. Ele teve um vislumbre dos verdadeiros mecanismos que movem o mundo, e agradece aos céus estar de volta a uma situação onde a sua única preocupação é que sua esposa certa vez viu um sujeito fardado e ficou pensando bobagem.

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