sábado, 8 de março de 2008

0098) Como recordar um sonho (15.7.2003)



A primeira coisa é não abrir os olhos, não fazer o menor movimento. No instante em que você perceber que acordou, tem que continuar imóvel. Qualquer alteração física irá cortar o processo que ocorre na sua mente. 

Você já sabe que acordou, sabe em que posição está, ouve ao seu redor vozes, ruídos da rua, etc. Esqueça tudo e pense no sonho, que está se esvaindo. Um programa mental chamado Aqui-e-Agora acaba de ser ativado, e o sonho não se encaixa nele.

Esqueça quem é, e onde está. Repasse as imagens do sonho, sem tentar verbalizar, apertando o botão FF e verificando se está tudo ali. Tente fazer um balanço total do sonho. 

Sonhos têm um caráter segmentado. Às vezes recuperamos dois ou três episódios, mas havia muito mais. Quando tiver pescado o máximo possível, dê uma repassada na versão total, devagar. Depois outra, agora já tentando verbalizar alguma sensação difusa (“Eu estava querendo ir para minha casa, e era na véspera de uma data importante”) ou registrar uma ambiguidade (“Eu estava na casa de Fulano, só que era um enorme salão cheio de móveis empoeirados”). 

O importante neste momento é fazer com que a ascensão da mente, de 100% sonhando para 100% desperta, seja lenta e gradual, trazendo à tona o que foi possível salvar do sonho.

Convém ser lento ao sentar na cama, abrir os olhos, começar os gestos rotineiros. Já vi sonho dar um pipoco e sumir no vácuo só porque perdi alguns segundos procurando o chinelo. (Destino mais trágico é o dos que são guilhotinados pelo toque do telefone.) 

O sonho ainda deve ser ruminado e fortalecido durante o lavar o rosto, o tomar café, o trocar as primeiras frases com a família. Depois, se achar que vale a pena. anote.

Muitos publicam livros contando o que sonharam: Jack Kerouac (Book of Dreams), George Perec (La boutique obscure), William Burroughs (My Education). 

O mais conhecido dos poemas sonhados é o “Kublai Khan” de Coleridge, mas os exemplos literários são incontáveis. Stevenson sonhou o Médico e o Monstro, Mary Shelley o Frankenstein, Bram Stoker o Drácula. Talvez porque na época destes autores o principal analgésico era o láudano, que tem efeitos alucinógenos.

O que fazer com o sonho? Ninguém sabe, portanto cada um pode fazer dele o que lhe der na telha. O sonho é um jogo-de-Acaso. É como jogar búzios ou arcanos, só que os elementos manipulados pelo Acaso são pedaços de pensamentos nossos. 

Há quem interprete sonhos, extraia deles todo tipo de presságio, de inspiração, de justificativa. Costumo anotar os meus, porque tenho facilidade para escrever. 

Há pessoas que numa noite sonham décadas inteiras de outra vida. Há pessoas que quando dormem lembram-se de tudo sobre o mundo da vigília, e quando acordam esquecem do que sonharam. Há músicos que têm sonhos musicais, sonhos sem história, sem imagens, sem aquis, sem agoras, sonhos de harmonias que não têm limite e melodias que não têm fim.







Um comentário:

Tibor Moricz disse...

Esse é exatamente o procedimento que tomo para lembrar meus sonhos. Permaneço na cama, quieto, olhos fechados, pelo menos uns 10 minutos. Não lembro só do sonho, mas o contextualizo, identifico personagens e crio ligações (quando possível) com a realidade. Mas há sonhos tão "porrada" que não é necessário nenhum esforço extra para lembrar dele. Já acordo com ele gravado a fogo. Lembro ate hoje de sonhos que tive há muitos anos, de tão marcantes.