sexta-feira, 7 de março de 2008

0088) Os tiranos e os comerciantes (3.7.2003)




No Romance da Pedra do Reino, em seu folheto 59, Ariano Suassuna põe na boca de um dos seus personagens a mais sucinta descrição possível do que foram os últimos cem anos da Humanidade. Arésio Garcia-Barretto é um sujeito revoltado contra todo tipo de autoridade, e sua revolta se traduz numa agressividade despudorada e cética, sem ideais e sem ilusões, baseada apenas na sua constatação de que no mundo ninguém é bonzinho, e que, como dizia Augusto dos Anjos, o sujeito que vive entre feras acaba tendo que virar fera também. E ele descreve assim o nosso mundo: “Por enquanto, só existem dois tipos de Governo: o dos opressores do Povo e o dos exploradores do Povo. O primeiro, é o dos Tiranos, o segundo é o dos Comerciantes. No primeiro tipo, o Povo é submetido e esmagado em nome da grandeza; no segundo é explorado em nome da Liberdade.”

Precisa dizer mais alguma coisa? De um lado estão as Ditaduras, seja a extinta União Soviética, a Coréia de Kim Jong-II, e as ditaduras militares latino-americanas em geral, que eram maioria no continente na época em que o livro de Suassuna foi publicado (1971). Do outro lado, estão as democracias republicanas capitalistas, onde quem manda é o Dinheiro. É uma grande ilusão pensar que indo de uma para outra alcançamos a liberdade. Na melhor das hipóteses, nos mudamos para uma cela mais ampla, com colchão de espuma, TV e direito a banho de sol.

Em seu prefácio ao seu romance Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley dizia que as ditaduras baseadas no chicote e na espora estavam com os dias contados, e iriam dar lugar às ditaduras baseadas na droga e no consumo. Um estado totalitário baseado no terror e na ameaça (como o de Orwell em 1984) equilibra-se numa corda-bamba permanente, mas um estado totalitário baseado na distribuição de prazer fica numa posição mais confortável. A ditadura de hoje não é a da Polícia, é a do Mercado. Em vez de ameaçar, seduz. Em vez de proibir que peguemos a agulha de que precisamos, ela derrama em cima de nós um palheiro de irrelevâncias.

O mundo de hoje é um carrossel de promessas de consumo infinito. O tom da propaganda me lembra o anúncio da turma do “Planeta Diário” (que depois virou “Casseta & Planeta”): “Leia o Planeta Diário... e coma muitas mulheres!” A publicidade faz de conta que todo mundo tem chances medianas de trabalhar feito um condenado das 9 às 17, para depois se empanturrar de cigarro, bebida e anti-depressivos, usando as roupas da moda, dirigindo o carro da moda, frequentando os lugares da moda... e comendo muitas mulheres. (É ponto pacífico, no mundo da propaganda, que há um número infinito de mulheres querendo dar para quem consome os produtos certos) Isto pode ser uma condição preferível à de quem vivia no Haiti de Papa Doc, ou na pequenina Albânia do camarada Enver Hoxha, mas quem chama isso de liberdade chama urubu meu-pombo-branco.

Um comentário:

Anônimo disse...

Precisamente.