sexta-feira, 7 de março de 2008

0056) O Paraibano do Século (27.5.2003)



Há alguns anos a Paraíba elegeu Augusto dos Anjos como “O Paraibano do Século”. Uma campanha com muitos nomes ilustres, mas o poeta do Engenho Pau d´Arco pareceu a todo mundo aqui no Rio de Janeiro uma escolha óbvia. 

Muitas pessoas me perguntaram (e eu também me perguntei) por que cargas dágua Jackson do Pandeiro não foi incluído na lista final. Surpresa ainda maior quando me disseram que nossos vizinhos do lado elegeram como “Pernambucano do Século” o velho Luiz Gonzaga, deixando na poeira respeitáveis figurões como João Cabral e Gilberto Freyre. Será que somos ainda mais elitistas do que nossos primos mangueboys? Dúvida cruel.

Em todo caso, Augusto ninguém contesta. É o menos típico dos poetas paraibanos. Entre os literatos que concorriam, é o que menos se preocupava em “retratar a Paraíba”. 

Os poemas de Augusto nos arrancam do solo e nos levam num vôo tão vertiginoso pelo Sistema Solar e pelas eras geológicas do planeta que, quando de vez em quando pipocam numa estrofe um nome como “Borborema” ou “Ponte Buarque de Macedo”, temos um susto, percebemos que aquela voz que soa como a de Moisés no Sinai (ou de São João em Patmos) é a de um sujeito que mora na casa vizinha à nossa.

O povo o ama, ama a sua linguagem arrevesada, seu jargão esdrúxulo. Ama-o porque sabe que quem está ali não é um pseudo-intelectual querendo falar difícil, é um sujeito que teve uma Visão e procura uma linguagem que seja digna dela. 

Pomposo e vazio Augusto foi muitas vezes, como o prova a recolha de seus textos em prosa; mas em livro seu instinto de poeta nunca lhe falhou, e as obras que colocou no Eu são a nata do que produziu. Tinha auto-crítica. Ao reescrever sonetos, fazia-o sempre para melhor. Era um visionário sem peias nem amarras; e era um artesão rigoroso.

Nos velhos tempos, vi bêbados anônimos, mecânicos de oficina ou boêmios aposentados recitando seus versos nos botequins da rua Índios Cariris, no antigo Caldo de Peixe do velho Ferreira, no bar do Castelo onde comíamos costela antes de ir para o Amigão, na Riviera durante um “rato” e uma Casa Grande, no Corredor da Morte diante de uma cabeça-de-galo, ou amanhecendo o dia no abrigo da Praça da Bandeira, rebatendo a cerveja gelada com um cuscus-com-galinha, pedindo um cigarro a um notívago sem rosto e ouvindo-o recitar: “Toma um fósforo...” 

O povo o ama porque o povo ama linguagem musical, imagens fortes e sentimentos verdadeiros.

Tenho um orgulho secreto em saber que é paraibano o maior poeta brasileiro de ficção científica. Não a FC de fantasia tecnológica de Lucas & Spielberg, mas a do visionarismo evolucionista e cósmico de Olaf Stapledon e H. G. Wells. 

Não sendo um paraibano típico, Augusto representa, com sua vida curta e trágica, aquilo que um paraibanozinho qualquer pode ambicionar. O que conseguiu é belo, mas mais belo ainda é o que tentou, é a sua audácia em ter ousado. Que o novo século nos conceda alguém que se equipare ao filho de Sinhá-Mocinha.







Um comentário:

Marcelo disse...

Seu Bráulio,

Homem, e o nosso Chateaubriand? Que figura! Acabo de ler de 3 goipes [ói] o livro de Fernando Morais. Ele seria um bom Paraibano do Século. Mas...

Marcelo Hagah
João Pessoa-PB