sexta-feira, 7 de março de 2008

0017) Pulando muro em Berlim (11.4.2003)

Minha história preferida sobre o Muro de Berlim é aquela em que um grupo de rapazes de Berlim Oriental descobre uma passagem no muro, e passa para o lado ocidental a fim de ver os filmes norte-americanos em cartaz. Fazem isso umas doze vezes, até que uma noite são apanhados pela polícia. Os guardas ficam perplexos: então eles não são refugiados, não querem asilo político? “Não,” dizem os garotos, “queremos apenas ver os filmes, e depois voltar para casa.”

Os norte-americanos têm um justificado orgulho de suas instituições, e acreditam com razão que, mesmo com todos os seus defeitos, sua terra tem uma medida de paz, justiça, liberdade e igualdade que não se encontra facilmente por aí. E ficam perplexos ao ver que pessoas de outras culturas não acham que seus próprios países devem se transformar em versões dos EUA em escala reduzida. Os rapazes de Berlim viviam numa sociedade opressiva, cheia de problemas, mas não queriam viver no lado capitalista, mesmo depois de conhecê-lo. Vai ver que olhavam em volta e chegavam à conclusão de que a única coisa interessante eram mesmo os filmes.

Teriam razão? Quem sabe? Se me pedissem para escolher eu preferiria mil vezes morar em Nova York ou Chicago do que em Bagdá ou Bombaim, mas tenho amigos que fariam a escolha inversa, e entendo as razões deles. Estão certos. Pessoas diferentes fazem escolhas diferentes, e está muito enganado quem pensa que o mundo inteiro quer se transformar numa cópia “fake” de Miami (tem a Barra da Tijuca, mas este é um caso extremo). Por piores que sejam as condições de vida, digamos, no Haiti ou em Angola, não tenho a menor dúvida de que haitianos e angolanos veriam com desespero a transformação de seus países num hipotético 51º Estado norte-americano, com as consequências que isto iria acarretar.

Numa entrevista recente, um jornalista da rede Al-Jazeera criticava o autoritarismo do mundo árabe, onde, segundo ele, uma esposa não pode questionar o marido, um jovem não pode questionar um adulto, um funcionário não pode questionar o chefe da seção, um cidadão não pode questionar o Estado, um crente não pode questionar as escrituras. É para fugir a tradições opressivas como estas que muitos jovens (da Ásia, da África, do Oriente Médio, da América Latina) vão para os Estados Unidos e a Europa, e ao voltar para suas terras trazem a lembrança do “filme” que viram. Não precisa mais do que isto para difundir os valores da democracia. Não é preciso impô-los com tanques e artilharia.

“O que é bom para os EUA é necessariamente maravilhoso para esses camponeses maltrapilhos”, devem pensar todos os políticos e generais que planejam e ordenam invasões. O problema é que os camponeses maltrapilhos querem no máximo alguém que os livre de um ditador corrupto e faça uma meia dúzia de melhorias na infra-estrutura. Não querem o pacote inteiro que lhes vai ser empurrado goela abaixo.

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