sexta-feira, 7 de março de 2008

0002) Morrer pela pátria e viver sem razão (25.3.2003)

Desde menino tive uma fascinação pelas pessoas capazes de morrer por um ideal. O medo da morte sempre me pareceu o Pai de todos os medos, e um indivíduo capaz de superá-lo era aos meus olhos uma espécie de super-homem. Vendo aqueles filmes de guerra dos anos 50, eu pensava: “É apenas um filme. Quando acaba a filmagem, os ´defuntos´se levantam, tomam banho e voltam pra casa. São atores.” O bom-senso, contudo, me obrigava a lembrar que nas guerras de verdade os defuntos não tinham uma segunda chance. Num filme de Henri Verneuil sobre a retirada de Dunquerque, um soldado perguntava: “Qual é a diferença entre um morteiro e um obus?” O outro respondia: “Se cair em cima de você, nenhuma.”

Quando uma bomba cai na nossa cabeça, tudo deixa de fazer diferença. Não importa se você morreu lutando por um ditador sanguinário ou defendendo a Liberdade e a Democracia. A morte é o Zero Infinito, o Nada Absoluto. Existe algo mais aterrorizante do que isto? Para os que lutam nessas guerras, existe: é a possibilidade de que o objetivo da guerra não seja atingido. Valia a pena dar a vida para impedir que Hitler saísse transformando o mundo numa rede de fortalezas militares cercadas de fornos crematórios.

Só que o conceito de “dar a vida” não implica necessariamente a auto-destruição. Certa vez, após um concerto, uma madame disse ao violinista Fritz Kreisler: “Eu daria minha vida para tocar como o senhor.” Ele respondeu: “Eu dei a minha.” É preferível dar a nossa vida por uma idéia do que morrer por ela.

Se a guerra é a continuação da política por outros meios, precisamos abrir o olho com alguns países que, totalmente despreparados para a política, resolvem este problema preparando-se para a guerra. Incapaz de deslindar os problemas geopolíticos do Oriente, o governo norte-americano decide cortar o nó que não desata; destruir o problema, em lugar de resolvê-lo. Como se o problema não fosse retornar, mais grave e mais bem armado, de onde ele menos espera, como em 2001.

Política deveria ser a arte de evitar guerras. É muito belo e muito nobre morrer por um ideal, mas alguma coisa me diz que um soldado que vai para a guerra está com a intenção de matar pela Democracia, não de morrer por ela. Seu objetivo é matar; morrer é um risco que ele sabe que corre, mas no fundo, no fundo, ele acredita que quem vai morrer são os outros, e que ele vai voltar para sua casinha de subúrbio, sua família, sua cerveja e seu boliche no fim-de-semana.

Política significa debater questões ideológicas e econômicas e encontrar um ponto de equilíbrio, sem que seja necessário bombardear populações civis em Nova York ou em Bagdá. Quando se passa unilateralmente das discussões políticas para o bombardeio, fica claro que o bombardeio (e os lucros ideológicos ou econômicos que o cercam) é que era o objetivo final, e todo o resto é mera encheção de lingüiça.

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